AMERICANAS POR MACHADO DE ASSIS RIO DE JANEIRO B. L. GARNIER Livreiro-editor do Instituto Historico 65 — RUA DO OUVIDOR — 65 1875 Typ. COSMOPOLITA, rua de Gonçalves Dias n. 19 ADVERTENCIA O titulo de AMERICANAS explica a natureza dos objectos tratados neste livro, do qual excluí o que podia destoar daquella denominação commum. Não se deve entender que tudo o que aqui vae seja relativo aos nossos aborigenes. Ao lado de Potyra e Niani, por exemplo, quadros da vida selvagem, ha Christã Nova e Sabina, cuja acção é passada no centro da civilisação. Algum tempo, foi opinião que a poesia brazileira devia estar toda, ou quasi toda, no elemento indigena. Veiu a reaceão, e adversarios não menos competentes que sinceros, absolutamente o excluiram do programma da litteratura nacional. São opiniões extremas, que, pelo menos, me parecem discutiveis. Não as discutirei, agora, que não é azado o ensejo. Direi somente que, em meu entender, tudo pertence á invenção poetica, uma vez que traga os caracteres do bello e possa satisfazer as condições da arte. Ora, a indole e os costumes dos nossos aborigenes estão muita vez nesse caso; não é preciso mais para que o poeta lhes dê a vida da inspiração. A generosidade, a constancia, o valor, a piedade hão de ser sempre elementos de arte, ou brilhem nas margens do Scamandro ou nas do Tocantins. O exterior muda; o capacete de Ajax é mais classico e polido que o kanitar de Itajuba; a sandalia de Calypso é um primor de arte que não achâmos na planta nua de Lindoya. Ésta é, porém, a parte inferior da poesia, a parte accessoria. O essencial é a alma do homem. Das qualidades boas, e ainda excellentes, dos nossos indios, andam cheias as relações historicas. Era agreste e rudimentario o estado delles; medeia um abysmo entre a taba de Uruçamirim e qualquer dos nossos bairros inferiores. Mas, com todas as feições grosseiras de uma civilisação embryonaria, havia alli os caracteres de uma raça forte, e não communs virtudes humanas. Montaigne, que lhes consagrou um affectuoso capítulo, enumera o que achou nelles grande e bom, e conclue com ésta pontasinha de maliciosa ingenuidade: « Mais quoi! ils ne portent point de hault de chausses! » 1875. M. A. filha melhor do Eterno, America! G. DIAS, Tymb. c. m. POTYRA Os Tamoyos, entre outras presas que fizeram, levaram La india, a qual pretendeu o capitão da empreza violar: retia valorosamente dizendo em lingua brasilica: « Eu sou cristã e casada; não heide fazer traição a Deus e a meu malo; bem pódes matar-me e fazer de mim o que quizeres. » Deu-se por affrontado o barbaro, e em vingança lhe acabou a vida com grande crueldade. VASC. Chr. da Companhia de Jesus, liv. 3º. POTYRA Se, poi ch'a morte il corpo le percosse. Desse almen vita alia memória d'ella. ARIOSTO, Orl. Fur. c. XXIX, est. XXXI. I Moça christã das solidões antigas, Em que aurea folha reviveu teu nome? Nem o echo das mattas seculares, Nem a voz das sonoras cachoeiras, O transmittiu aos seculos futuros. Assim da tarde estiva ás auras frouxas Tenue fumo do colmo no ar se perde; Nem de outra sorte em moribundos labios A humana voz expira. O horror e o sangue Da miseranda scena em que, de envolta Co’os longos, magoadissimos suspiros, Christã Lucrecia, abriu tua alma o voo Para subir ás regiões celestes, Mal deixada memoria aos homens lembra. Isso apenas; não mais; teu nome obscuro, Nem tua campa o brazileiro os sabe. II Ja da férvida luta os ais e os gritos Extinctos eram. Nos baixeis ligeiros Os tamoyos incolumes embarcam; Ferem co’os remos as serenas ondas Até surgirem na remota aldêa. Atrás ficava, luctuosa e triste, A nascente cidade brazileira, Do inopinado assalto espavorida, Ao ceu mandando em coro inuteis vozes. Vinha ja perto rareando a noite, Alva aurora, que á vida accorda as selvas, Quando a aldèa surgiu aos olhos torvos Da expedição nocturna. A’ praia saltam Os vencedores em tropel; transportam A’s cabanas despojos e vencidos, E, da vigília fatigados, buscam Na curva, leve rede amigo somno, Excepto o chefe. Oh! esse não dormira Longas noites, se a troco da victoria Precisas fossem. Traz comsigo o premio, O desejado premio. Desmaiada Conduz nos braços tremulos a moça Que renegou Tupan, e as velhas crenças Lavou nas aguas do baptismo santo. Na rede ornada de amarellas pennas Brandamente a depõe. Leve tecido Da captiva gentil as fórmas cobre; Veste-as de mais a sombra do crepusculo, Sombra que a tibia luz da alva nascente De todo não rompeu. Inquieto sangue Nas veias ferve do indio. Os olhos luzem De concentrada raiva triumphante. Amor talvez lhes lança um leve toque De ternura, ou ja soffrego desejo; Amor, como elle, asperrimo e selvagem, Que outro não sente o heroe. III Heroe lhe chamam Quantos o hão visto no fervor da guerra Medo e morte espalhar entre os contrarios E avantajar-se nos certeiros golpes Aos mais fortes da tribu. O arco e a flecha Desde a infancia os meneia ousado e affouto; Cedo aprendeu nas solitarias brenhas A pleitear ás feras o caminho. A fôrça oppõe á fôrça, a astucia á astucia. Qual se da onça e da serpente houvera Colhido as armas. Traz ao collo os dentes Dos contrarios vencidos. Nem dos annos O número supera o das victórias; Tem no espaçoso rosto a flor da vida, A juventude, e goza entre os mais bellos De real primazia. A cinta e a fronte Azues, vermelhas plumas alardeam, Ingenuas galas do gentio inculto. IV Da captiva gentil cerrados olhos Não se entreabrem á luz. Morta parece. Uma só contracção lhe não perturba A paz serena do mimoso rosto. Junto della, cruzados sobre o peito Os braços, Anagè contempla e espera; Soffrego espera, em quanto ideias negras Estão a revoar-lhe em torno e a encher-lhe A mente,de projectos tenebrosos. Tal no cimo do velho Corcovado Proxima tempestade engloba as nuvens. Subito ao seio turgido e macio Anciosas mãos estende; inda palpita O coração, com desusada fôrça, Como se a vida toda alli buscasse Refúgio certo e último. Impetuoso O vestido christão lhe despedaça, E á luz ja viva da manhã recente Contempla as nuas fórmas. Era acaso A syncope chegada ao termo proprio, Ou, no pejo offendida, ás mãos entranhas A desmaiada moça despertara. Potyra accorda, os olhos lança em tôrno, Fita, ve, comprehende, e inquieta busca Fugir do vencedor ás mãos e ao crime... Misera! oppõe-se-lhe o irritado gesto Do asperrimo guerreiro; um ai lhe sobe Angustioso e triste aos labios tremulos, Sobe, murmura e suffocado expira. Na rede envolve o corpo, e, desviando Do terrível tamoyo os lindos olhos, Entrecortada prece aos céus envia, E as faces banha de serenas lagrymas. V Longo tempo corrêra. Amplo silêncio Reinou entre ambos. Do tamoyo a fronte Pouco a pouco despira o torvo aspecto. Ao trabalhado espirito, revôlto De mil sinistros pensamentos, volve Benigna calma. Tal de um rio engrossa O volume extensissimo das aguas Que vão enchendo de pavor os echos, Vencendo no arruido o vento e o raio, E pouco a pouco attenuando as vozes, Adelgaçando as ondas, tornam mansas Ao primitivo leito. Ei-lo se inclina, Anciosas mãos estende; inda palpita O coração, com desusada fôrça, Como se a vida toda alli buscasse Refúgio certo e último. Impetuoso O vestido christão lhe despedaça, E á luz ja viva da manhã recente Contempla as nuas fórmas. Era acaso A syncope chegada ao termo proprio, Ou, no pejo offendida, ás mãos entranhas A desmaiada moça despertára. Potyra accorda, os olhos lança em torno, Fita, ve, comprehende, e inquieta busca Fugir do vencedor ás mãos e ao crime... Misera! oppõe-se-lhe o irritado gesto Do asperrimo guerreiro; um ai lhe sobe Angustioso e triste aos labios tremulos, Sobe, murmura e suffocado expira. Na rede envolve o corpo, e, desviando Do terrivel tamoyo os lindos olhos, Entrecortada prece aos céus envia, E as faces banha de serenas lagrymas. V Longo tempo corrêra. Amplo silêncio Reinou entre ambos. Do tamoyo a fronte Pouco a pouco despira o torvo aspecto. Ao trabalhado espirito, revôlto De mil sinistros pensamentos, volve Benigna calma. Tal de um rio engrossa O volume extensissimo das aguas Que vão enchendo de pavor os echos, Vencendo no arruido o vento e o raio, E pouco a pouco attenuando as vozes, Adelgaçando as ondas, tornam mansas Ao primitivo leito. Ei-lo se inclina, Para tomar nos braços a formosa Por cujo amor incendiára a aldêa Daquellas gentes pallidas de Europa. Sente-lhe a moça as mãos, e erguendo o rosto, O rosto inda de lagrymas molhado, Do coração estas palavras solta: « — La entre os meus, suave e amiga morte, Ah! porque me não deste? Houvera ao menos Quem escutasse de meus labios frios A prece derradeira; e a santa benção Levaria minha alma aos pes do Eterno... Não, não te peço a vida; é tua, extingue-a; Um so allivio imploro. Não receies Embeber no meu sangue a ervada setta; Mata-me, sim ; mas leva-me onde eu possa Ter em sagrado leito o último somno! » Disse, e fitando no indio avidos olhos, Esperou. Anagê sacode a fronte, Como se lhe pesára ideia triste; Crava os olhos no chão; lentas lhe sahem Éstas vozes do peito. « Oh! nunca os padres Pisado houvessem éstas plagas virgens! Nunca de um deus estranho as leis ignotas dessem perturbar as tribus, como Perturba o vento as aguas! Rosto a rosto Os guerreiros pelejam; matam, morrem. Ante o fulgor das armas inimigas Não descora o tamoyo. Assaz lhe pulsa Valor nativo e raro em peito livre. Armas, deu-lh’as Tupan novas e eternas Nestas maltas vastissimas. De sangue Estranhos rios hão de, ao mar correndo, Tristes novas levar á patria delles, Primeiro que o tamoyo a frente incline Aos inimigos peitos. Outra força, Outra e maior nos move a guerra crua; São elles, são os padres. Esses mostram Cheia de riso a boca e o mel nas vozes, Sereno o rosto e as brancas mãos inermes; Ordens não trazem de cacique estranho, Tudo nos levam, tudo. Uma por uma As filhas de Tupan correm trás elles, Com ellas os guerreiros, e com todos A nossa antiga fe. Vem perto o dia Em que, na immensidão destes desertos, Ha de ao frio luar das longas noites O pagé suspirar sozinho e triste Sem povo nem Tupan! » VI Silenciosas Lagrymas lhe espremeu dos olhos negros Esta lembrança de futuros males. « — Escuta! » diz Potyra. O indio estende Imperioso as mãos e assim prosegue: « — Tambem com elles foste, e foi comtigo Da minha vida a flor! Teu pai mandára, E com elle mandou Tupan que eu fosse Teu esposo; vedou-m’o a voz dos padres, Que me perdeu, Ievando-te comsigo. Não morri; vivi so para ésta affronta; Vivi para ésta insolita tristeza De maldizer teu nome e as graças tuas, Chorar-te a vida e desejar-te a morte. Ai! nos rudes combates em que a tribu Rega de sangue o chão da virgem terra Ou tinge a flor do mar, nunca a meu lado Teu nobre vulto esteve. A aldêa toda, Mais que o teu coração, ficou deserta. Duas vezes, mimosas rebentaram Do lacrymoso cajueiro as flores, Desde o dia funesto em que deixaste A cabana paterna. O extremo lume Expirou de teu pai nos olhos tristes; Piedosa chamma consumiu seus restos E a aldèa toda o lastimou com prantos. Não de todo se foi da nossa vida; Parte ficou para sentir teus males. Antes que o último sol á melindrosa Flor do maracujá cerrasse as folhas Um sonho tive. Merencorio vulto, Triste como uma fronte de vencido, Côr da lua os cabellos venerandos, O vulto de teu pae: « Guerreiro (disse), « Corre a vizinha habitação dos brancos, « Vai, arranca Potyra á lei funesta « Dos pallidos pagés; Tupan t’o ordena; « Nos braços traze a fugitiva corça; « Vincula o teu destino ao delia ; é tua. — « Impossivel! Que vale um vago sonho? Sou esposa e christã. Impio, respeita O amor que Deus protege e sanctifica: Mata-me; a minha vida te pertence: Ou, se te peza derramar o sangue Daquella a quem amaste, e por quem foste Lançar entre os christãos a dor e o susto, Faze-me escrava; servirei contente Emquanto a vida allumiar meus olhos. Toma, entrego-te o sangue e a liberdade; Ordena ou fere. Tua esposa, nunca! » Calou-se, e reclinada sobre a rede, Potyra murmurava ignota prece, Olhos fitos no proximo arvoredo, Olhos não ermos de profunda magua VII O’ Christo, em que alma penetrou teu nome Que lhe não desse o balsamo da vida? Pelo vento dos seculos levado, Vidente e cego, o maximo dos seres, Que fora do homem nesta escassa terra, Se ao mysterio da vida lhe não desses, O’ Christo, a eterna chave da esperança? Philosophia stoica, ardua virtude, Creação de homem, tudo passa e expira. Tu so, filha de Deus, palavra amiga, Tu, suavissima voz da eternidade, Tu perduras, tu vales, tu confortas. Neste sonho Iriado de outros sonhos, Varios como as feições da natureza, Nesta confusa agitação da vida, Que alma transpõe a derradeira edade Farta de algumas passageiras glórias? Torvo é o ar do sepulchro; alli não viçam Essas cansadas rosas da existencia Que ás vezes tantas lagrymas nos custam, E tantas mais antes do occaso expiram. Flor do Evangelho, nuncia de alvos dias, Esperança christã, não te ha murchado O vento árido e sêcco; és tu viçosa Quando as da terra languidas inclinam O seio, e a vida lentamente exhalam. Ésta a consolação última e doce Da esposa indiana foi. Captiva ou morta, Antevia a celeste recompensa Que aos humildes reserva a mão do Eterno. Naquelle rude coração das brenhas A semente evangélica brotára VIII Das duas condições deu-lhe o guerreiro A peor, — fel-a escrava; e eil-a apparece Da sua aldea aos olhos espantados Qual fora em dias de melhor ventura. Despida vem das roupas que lhe ha posto Sòbre as polidas fôrmas uso extranho, Não sabido jamais daquelles povos Que a natureza ingenua doutrinária. Vence na gentileza ás mais da tribu, E tem de sobra um sentimento novo, Pudor de esposa e de christã, — realce Que ao indio accende a natural volupia. Simulada alegria lhe descerra Os labios; riso á flor, escasso e dubio, Que mal lhe encobre as vergonhosas maguas. Á voz do seu senhor accorre humilde; Não a assusta o labor; nem dos perigos Conhece os medos. Nas ruidosas festas, Quando ferve o cauim, e o ar atrôa Pocema de alegria ou de combate, Como que se lhe fecha a flor do rosto. Ja lhe descae então no seio oppresso A graciosa fronte; os olhos fecha, E ao ceu voltando o pensamento puro, Menos por si, que pelos outros pede. Nem so o ardor da fe lhe abraza o peito; Lacera-lh’o tambem agra saudade; Chora a separação do amado espôso, Que, ou cedo a esquece, ou solitario geme. Si, alguma vez, fugindo a extranhos olhos, Não ja crueis, mas cubiçosos della, Entra desatinada o bosque antigo, Co’o doce nome accorda ao longe os echos, E a dor expande em lobregos soluços, Farta de amor e pródiga de vida, Ouve-as a selva, e não lhe entende as maguas. Outras vezes pisando a ruiva areia Das praias, ou galgando a penedia Cujos pes orla o mar de nívea espuma, As ondas murmurantes interroga: Conta ao vento da noite as dores suas; Mas.. .fieis ao destino e á lei que as rege, As preguiçosas ondas vão caminho. Crespas do vento que sussurra e passa. IX Quando, ao sol da manhã, partem ás vezes, Com seus arcos, os destros caçadores, E alguns da rija estaca desatando Os nós de embira às rapidas garas, A’ pesca vão pelas ribeira proximas Das espôsas, das mães que os lares velam, Grata alegria os corações innunda, Menos o della, que suspira e geme, E não aguarda doce esposo ou filho. Triste os ve na partida e no regresso, E nessa melancholica postura, Simelha a acacia langue e esmorecida, Que ja de orvalho ou sol não pede os beijos. As outras... — Raro em labios de felizes Alheias maguas travam. Não se pejam De seus olhos azues e alegres pennas Os sahis sobre as arvores pousados, Se ao perto voa na campina verde De anuns luctuoso bando; nem os trillos Das andorinhas interrompe a nota. Que a jurity suspira. — As outras folgam Pelo arraial dispersas; vão-se á terra Arrancar as raizes nutritivas, E fazem os preparos do banquete A que hão de vir mais tarde os destemidos Senhores do arco, alegres vencedores De quanto vive na agua e na floresta. Da captiva nenhuma inquire as maguas. Que a jurity suspira. — As outras folgam Pelo arraial dispersas ; vão-se á terra Arrancar as raizes nutritivas, E fazem os preparos do banquete A que hão de vir mais tarde os destemidos Senhores do arco, alegres vencedores De quanto vive na água e na floresta. Da captiva nenhuma inquire as maguas. Comtudo, algumas vezes, curiosas Virgens lhe dizem, apiedando o gesto: — «Pois que á taba voltaste, em que teus olhos Primeiro viram luz, que magua funda Lhes distilla tão longo e amargo pranto, Amargo mais do que esse que não busca Recatado silêncio? » — E ás doces vozes A christã desterrada assim responde: — «Potyra é como aquella flor que chora Lagrymas de alvo leite, se do galho Mão cruel a cortou. Oh! não permitta O ceu que ímpia fortuna vos separe Daquelle que escolherdes. Dor é essa Maior que um pobre coração de espôsa. Esperanças... Deixei-as nessas águas Que me trouxeram, complices do crime, A' taba de Tupan, não allumiada Da palavra celeste. Algumas vezes, Raras, alveja em minha noite escura Não sei que tibia aurora, e penso : Acaso O sol que vem me guarda um raio amigo, Que hade accender nestes cansados olhos Ventura que ja foi. As azas colhe Guanumby, e o aguçado bico embebe No tronco, onde repousa adormecido Até que volte uma estação de flores. Ventura imita o guanumby dos campos: Accordará co'as flores de outros dias. Doce illusão que rápido se escoa, Como o pingo de orvalho mal fechado N'uma folha que o vento agita e entorna. » E as virgens dizem, apiedando o gesto: — « Potyra é como aquella flor que chora « Lagrymas de alvo leite, se do galho « Mão cruel a cortou! » X Era chegado O fatal prazo, o desenlace triste. Tudo morre, — a tristeza como o gozo; Rosas de amor ou lyrios de saudade, Tarde ou cedo os esfolha a mão do tempo. Costeando as longas praias, ou transpondo Extensos valles e montanhas, correm Mensageiros que ás tabas mais vizinhas Vão convidar á festa as gentes todas. Era a festa da morte. Indio guerreiro, Trez luas ha captivo, o instante aguarda Em que ás mãos de inimigos vencedores, Cáia expirante, e os vinculos rompendo Da vida, a alma remonte além dos Andes. Corre de boca em boca e de echo em echo A alegre nova. Vem descendo os montes, Ou abicando ás povoadas praias Gente da raça illustre, A onda immensa Pelo arraial se estende pressurosa. De quantas cores natureza fertil Tinge as proprias feições, copiam elles Engraçadas, vistosas louçanias. Varios na edade são, vários no aspeito, Todos eguaes e irmãos no herdado brio. Dado o amplexo de amigo, acompanhado De suspiros e pesames sinceros Pelas fadigas da viagem longa, Rompem ruidosas dansas. Ao tamoyo Deu o Ibake os segredos da poesia; Cantos festivos, moduladas vozes, Enchem os ares, celebrando a festa Do sacrifício proximo. Ah! não cubra Veu de nojo ou tristeza o rosto aos filhos Destes polidos tempos! Rudes eram Aquelles homens de asperos costumes, Que ante o sangue de irmãos folgavam livres, E nós, soberbos filhos de outra edade, Que a voz fallamos da razão severa E na luz nos banhamos do Calvario, Que somos nós mais que elles? Raça triste De Cains, raça eterna… XI Os cantos cessam. Calou-se o maracá. As roucas vozes Dos férvidos guerreiros ja reclamam O brutal sacrifício. A’s mãos das servas A taça do cauim passára exhausta. Inquieto aguarda o prisioneiro a morte. Da nação guayanaz nos rudes campos Nasceu. Nos campos da saudosa patria Industriosa mão não sabe ainda Alevantar as tabas. Cova funda Da terra, mãe commum, no seio aberta, Os acolhe e protege. O chão lhes forra A pelle do tapir; contínua chamma Lhes suppre a luz do sol. É uso antigo Do guayanaz que chega a extrema edade, Ou de mortal doença accomettido, Não expirar aos olhos de outros homens; Vivo o guardam no bojo da igaçaba, E á fria terra o dão, como se fora Pasto melhor (melhor!) aos frios vermes. Do almo, doce licor que extrahe das flores Mãe do mel, iramaya, larga cópia Pelos robustos membros lhe coaram Seis anciãs da tribu. Rubras pennas Na vasta fronte e nos nervosos braços Garridamente o enfeitam. Longa e forte A mussuranna os rins lhe cinge e aperta. Entra na praça o funebre cortejo. Olhar tranquillo, inda que fero, espalha O indomado captivo. Em pe, defronte, Grave, silencioso, ao sol mostrando De feias cores e vistosas plumas Singular harmonia, aguarda a víctima O executor. Nas mãos lhe pende a enorme Tagapema enfeitada, arma certeira, Arma triumphal de morte e de exterminio. Medem-se rosto a rosto os dous contrarios C’um sorriso feroz. Confusas vozes Enchem subito o espaço. Não lhe é dado Ao vencido guerreiro haver a morte Silenciosa e triste em que se passa Da curva rede á fria sepultura. Meigas aves que vão de um clima a outro Abrem placidamente as azas leves, Não tu, guerreiro, que encaraste a morte, Tu combate! Vencido e vencedores Derradeiros escarneos se. arremessam; Gritos, injúrias, convulsões de raiva, Vivo clamor accorda os longos echos Das penedias proximas. A clava Do executor gyrou no ar tres vezes E de leve cahiu na grossa espadua Do arquejante captivo. Ja na boca, Que o desprezo e o furor n’um riso entreabrem. Orla de espuma alveja. Avança, corre, Estaca... Não lhe dá mais amplo espaço A mussurana, cujas pontas tiram Dous mancebos robustos. Nas cavernas Do longo peito lhe murmura o ódio, Surdo, como o rumor da terra inquieta, Pejada de vulcões. Os labios morde, E, como derradeira injúria, á face Do executor lhe cospe espuma e sangue. Não vibra o arco mais veloz o tiro, Nem mais segura no aterrado cervo Feroz succuriuba os nós enrosca, Do que a pesada, enorme tagapema A cabeça de um golpe lhe esmigalha. Cae fulminada a víctima na terra, E alegre o povo longamente applaude. Xll Na voz universal perdeu-se um grito De piedade e terror: tão fundo entrara Naquella alma roubada á noite escura Raio de sol christão! Potyra foge, Pelos bosques atonita se entranha E pára á margem de um pequeno rio; Pousa na relva os tremulos joelhos E nas mimosas mãos esconde o rosto. Não de lagrymas era aquelle sitio Ou so de doces lagrymas choradas De olhos que amor venceu: — macia relva, Leito de sesta a amores fugitivos. Da verde, rara abobada de folhas Tepida e doce a luz coava a frouxo Do sol, que além das arvores tranquillo, Metade da jornada ia transpondo. Longe era ainda a hora melancholica Em que a geremma cerra a miuda folha, E o lume azul o pyrilampo accende. De pe, a um velho tronco descoroado Da copada ramagem, resto apenas, Vestigio do tufão, a indiana moça Languidamente encosta o esbelto corpo. Neste ameno recesso tudo é triste, Porque é alegre tudo. Não mui longe Uni desfolhado ipê conserva e guarda Flores que lhe ficaram de outro estio, Como esperança de folhagem nova, Flores que a desventura lhe ha negado, A ella, alma esquecida nesta terra, Que nada espera da estação vindoura. Olha, e de inveja o coração lhe estalla; Pelo tronco das árvores se enroscam Parasitas, esposas do arvoredo, Mais fieis não, mais venturosas que ella. Morrer ? Descanço fora ás maguas suas, Mais que descanço, perduravel gozo, Que a nossa eterna patria aos infelizes Deste desterro, guarda alvas capellas De não-murchandas e cheirosas flores. Tal lhe fallava no íntimo do peito Desespêro cruel. Alguns instantes Pela cansada mente lhe vagaram De voluntaria, abreviada morte Luctuosas ideias. Mal comprehende Esses desmaios da creatura humana Quem não sentiu no coração rasgado Abatimento e enojo; ou, do mais que isto, Esse contraste immenso e irreparavel Do amor interno e a solidão da vida. Rapido espaço foi. Prompto lhe volve Doce resignação, christã virtude, Que desafia e que assoberba os males. As debeis mãos levanta. Ja dos labios Solta nas azas de oração singella Lástimas suas... Na folhagem sêcca Ouve de cautos pes rumor sumido Volve a cabeça… XIII Trêmulo, calado, Anagê crava n’ella os olhos turvos Dos vapores da festa. As mãos inermes Lhe pendem; mas o peito — ó misera! — esse, Esse de mal contido amor transborda. Longo instante, passou. Alfim: « Deixaste A lesta nossa (o barbaro murmura); Mysteriosa vieste. Dos guerreiros Nenhum te viu; mas eu senti teus passos, E vim contigo ao êrmo. Ave mesquinha, Jnutil foges; gavião te espreita, Minha te fez Tupan. » Em pe, sorrindo Escutava Potyra a voz severa De Anagê. Breve espaço abria entre ambos Alcatifado chão. A fatal hora Chegára alfim? Não o prescruta a moça; Tudo acceita das mãos do seu destino,- Tudo, excepto... No proximo arvoredo Ouve de uma ave o pio melancholico; Era a voz de seu pae? a voz do espôso? De ambos talvez. No ânimo da escrava Restos havia d'essa crença antiga, Antiga e sempre nova: o peito humano Raro de obscuros elos se liberta. XIV — «Nasceste para ser senhora e dona: Anagê não te veda a liberdade; Quebra tu mesma os nós do captiveiro. Faze-te esposa. Vem coroar meus dias; Vem, tudo esqueço. A fronte do guerreiro, Adornada por ti, será mais nobre; Mais forte o braço em que pousar teu rosto. Sou menos bello que esse esposo ausente? Rudes feições compensa amor sobejo. Vem ; ser-me-has companheira nos combates, E, se inimiga frecha entrar meu seio, Morrerei a teus pes. Tens medo aos padres? Outro destino escolhe. Cauteloso, Tece o japú nos elevados ramos Das elevadas árvores o ninho, Onde o inimigo lhe não roube a prole. Ninho ha na serra ao nosso amor propicio; Viveremos alli. Troveje em baixo A inubia convidando á guerra os povos; Leva de arcos transforme éstas aldêas Em campos de combate, — ou ja dispersas As fugitivas tribus vão buscando Longes sertões para chorar seus males, Viveremos alli. Talvez um dia Quando eu passar á mysteriosa estância Das delícias eternas, me pergunte Meu velho pai: — « Teu arco de guerreiro Em que deserta praia o abandonaste? » Salvar-me-ha teu amor do eterno pêjo. » XV Doce era a voz e triste. Rasos d’agua Os olhos. Foi desmaio de tristeza Que o gesto dissipou da esquiva moça. Volve ao Tamoyo vingativa ideia. — « Minha (diz elle) ou morres! » Estremece Potyra, como quando a brisa passa Ao de leve na folha da palmeira, E logo fria ao barbaro responde: — « Jaz esquecida em nossas velhas tabas O respeito da espôsa? Acaso é digna Do sangue do Tamoyo ésta ameaça? Que desvalia aos olhos teus me coube, Se a outro me ligaram natureza, Religião, destino? A liberdade Nas tuas mãos depuz; com ella a vida. É tudo, quasi tudo. Honra de espôsa, Oh! essa deves respeital-a! Vai-te! Ceva teu ódio nas sangrentas carnes Do prostrado captivo. Aqui chorando, Na soidão d’estes bosques mal fechados, A’s mavrosas brisas meus suspiros Entregarei; leval-os-hão nas azas La onde geme solitario espôso. Vai-te! » E as mimosas mãos colhendo ao rosto, Alçou a Deus o pensamento amante, Como a scentelha viva que a fogueira Extincta aos ares sobe. Immovel, muda, Longo tempo ficou. Diante d’ella, Como ella immovel, o tamoyo estava. Amor, odio, ciume, orgulho, pena, Oppostos sentimentos se combatem No attribulado peito. Generoso Era, mas não domado amor lhe dava Inspiração de crimes. Não mais prompto Cae sobre a triste corça fugitiva Jaguar de longa fome esporeado, Do que elle as mãos lançou ao collo e á fronte Da misera Potyra. Ai! não, não diga A minha voz o lamentoso instante Em que ella, ao seu algoz volvendo anciosa Turvos olhos: « Perdoo-te! » murmura, Os labios cerra e immaculada expira! XVII Estro maior teu nome obscuro cante, Moça christã das solidões antigas, E eterno o cinja de virentes flores, Que as mereces. De não sabido bardo Estes gemidos são. Languidas brisas No taquaral á noite sussurrando, Ou enrugando o molle dorso ás vagas, Não tem a voz com que domina os echos Despenhada cachoeira. São, comtudo, Mas que debeis e tristes, no concerto Da orchestra universal cabidas notas. Alveja a nebulosa entre as estrêllas, E abre ao pe do rosai a flor da murta. NIANI (HISTORIA GUAYCURU) Desde então cobriu-se Nanine de uma mortal melancolia, sendo seus olhos sempre chorosos. Assim se passaram trez mezes, quando um dia, estando deitada na sua rustica cama, lhe deram a noticia que seu desleal marido se tinha casado com uma rapariga de menor esphera. Senta-se então Nanine na cama, como arrebatada, chama para junto de si um pequeno indio que era seu captivo, e diz-lhe na presença de varios antecris: «E’s meu captivo; dou-te a liberdade, com a condição de que te chamarás todo a vida Panenioxe. » Então seus olhos deixaram correr diluvios de lagrymas pelas suas tristes faces, que ella de envergonhada quiz occultar, mas o amor offendido não o permittia. Parece que esta violenta contenda de duas poderosas paixões lhe motivou uma febre ardente, com a qual ao outro dia perdeu a vida. F. RODRIGUES PRADO, Hist. dos índios Cavalleiros. NIANl ……….. que piagne Vedova, sola. DANT. Purgat, VI. I Contam-se histórias antigas Pelas terras de além-mar, De moças e de princezas, Que amor fazia matar. Mas amor que entranha n’alma E a vida soe acabar, Amor é de todo o clima, Bem como a luz, como o ar. Morrem delle nas florestas Aonde habita o jaguar, Nas margens dos grandes rios Que levam troncos ao mar. Agora direi um caso De muito penalisar, Tão triste como os que contam Pelas terras de além-mar. II Cabana que esteira cobre De junco trançado a mão, Que agitação vae por ella! Que ledas horas lhe vão! Panenioxe é guerreiro Da velha, dura nação, Cayavabá ha ja sentido A sua lança e facão. Vem de longe, chega á porta Do afamado capitão; Deixa a lança e o cavallo, Entra com seu coração. A noiva que elle lhe guarda Moça é de nobre feição, Airosa como agil corça Que corre pelo sertão. Amores eram nascidos Naquella tenra estação, Em que a flor que hade ser flor Inda se fecha em botão. Muitos agora lhe querem, E muitos que fortes são; Niani ao melhor delles Não dera o seu coração. Casal-os agora, é tempo; Casal-os, nobre ancião! Limpo sangue tem o noivo, Que é filho de capitão. III « — Traze a minha lança, escravo, Que tanto peito abateu; Traze aqui o meu cavallo Que largos campos correu. » « — Lança tens e tens cavallo Que meu velho pae te deu; Mas aonde te vas agora, Onde vas, espôso meu? « — Vou-me á caça, junto á cova Onde a onça se metteu... » « — Montada no meu cavallo, Vou comtigo, esposo meu. » « — Vou-me ás ribas do Escopil, Que a minha lança varreu... » « — Irei pelejar na guerra, A teu lado, esposo meu. » « — Fica-te ahi na cabana Onde o meu amor nasceu. » « — Melhor não haver nascido Se ja de todo morreu. » E uma lagryma, — a primeira De muitas que ella verteu, — Pela face cobreada Lenta, lenta lhe correu. Enxugal-a, não a enxuga O esposo que ja perdeu, Que elle no chão fita os olhos, Como que a voz lhe morreu. Traz o escravo o seu cavallo Que o velho sogro lhe deu; Traz-lhe mais a sua lança Que tanto peito abateu. Então, recobrando a alma, Que o remorso esmoreceu, Com esta dura palavra Á espôsa lhe respondeu: « — A bocayuva trez vezes No tronco amadureceu, Desde o dia em que o guerreiro Sua espôsa recebeu. «Trez vezes! Amor sobejo Nossa vida toda encheu. Fastio me entrou no seio, Fastio que me perdeu. » E pulando no cavallo, Sumiu-se…. despareceu… Pobre moça sem marido, Chora o amor que lhe morreu! IV Leva o Paraguay as aguas, Leva-as no mesmo correr, E as aves descem ao campo Como usavam de descer. Tenras flores, que outro tempo Costumavam de nascer, Nascem; vivem de egual vida; Morrem do mesmo morrer. Niani, pobre viuva, Viuva sem bem o ser, Tanta lagryma chorada Ja te não póde valer. Olhos que amor desmaiara De um desmaiar que é viver, O chôro empana-os agora, Como que vão fenecer. Corpo que fôra robusto No seu cavallo a correr, De continua dor quebrado Mal se póde ja suster. Collar de prata não usa, Como usava de trazer; Pulseiras de finas contas Todas as veiu a romper. Que ella, se nada ha mudado Daquelle eterno viver, Com que a natureza sabe Renascer, permanecer, Toda é outra; a’alma lhe morre, Mas de um continuo morrer, E não ha magua mais triste De quantas podem doer. Os que out’rora a desejavam, Antes della mal haver, Vendo que chora e padece, Rindo, se põem a dizer: « — Remador vae na canoa, Canoa vae a descer... Piranha espiou do fundo Piranha, que o vae comer. «Ninguem se fie da braza Que os olhos veem arder Sereno que cae de noite Ha de fazel-a morrer. Panenioxe, Panenioxe, Não lhe sabias querer. Quem te pagara esse golpe Que lhe vieste fazer! » V Um dia, — era sôbre tarde, Ia-se o sol a afundar; Calumby cerrava as folhas Para melhor as guardar. Vem cavalleiro de longe E á porta vae apear. Traz o rosto carregado, Como noite sem luar. Chega-se á pobre da moça E assim começa a fallar: « — Guaycurú doe-lhe no peito Tristeza de envergonhar. «Esposo que te ha fugido Hoje se vae a casar; Noiva não é de alto sangue, Porém de sangue vulgar. » Ergue-se a moça de um pulo, Arrebatada, e no olhar Rebenta-lhe uma faisca Como de luz a expirar. Menino escravo que tinha Acerta de ali passar; Niani attentando nelle Chama-o para o seu logar. « — Captivo es tu: seras livre, Mas vaes o nome trocar; Nome avesso te pozeram... Panenioxe has de ficar. » Pela face cobreada Desce, desce com vagar Uma lagryma: era a última Que lhe restava chorar. Longo tempo alli ficára, Sem se mover nem fallar; Os que a veem naquella magua Nem ousam de a consolar. Depois um longo suspiro, E ia a moça a expirar... O sol de todo morria E ennegrecia-se o ar. Pintam-n’a de vivas cores, E lhe lançam um collar; Em fina esteira de junco Logo a vão amortalhar. O triste pae suspirando Nos braços a vae tomar, Deita-a sobre o seu cavallo E a leva para enterrar. Na terra em que dorme agora Justo lhe era descançar, Que pagou foro da vida Com muito e muito penar. Que assim se morre de amores Aonde habita o jaguar, Como as princezas morriam Pelas terras de além-mar, A CHRISTÃ NOVA ……essa mesma foi levada captiva para uma terra extranha. NAHUM, cap. III, V. 10 PARTE I I Olhos fitos no ceu, sentado á porta, O velho pae estava. Um luar frouxo Vinha beijar-lhe a veneranda barba Alva e longa, que o peito lhe cobria, Como a nevoa na encosta da montanha Ao destoucar da aurora. Alta ia a noite, E silenciosa: a praia era deserta, Ouvia-se o bater pausado e longo Da somnolenta vaga, — unico e triste Som que a mudez quebrava á natureza. II Assim talvez nas solidões sombrias Da velha Palestina Um propheta no espirito volvêra As desgraças da patria. Quão remota Aquella de seus pães sagrada terra, Quão differente desta em que ha vivido Os seus dias melhores! Vago e doce, Este luar não allumia os serros Estereis, nem as ultimas ruinas, Nem as êrmas planicies, nem aquelle Morno silêncio da região que fôra E que a história de todo amortalhára. O’ torrentes antigas! aguas santas De Cedron! Ja talvez o sol que passa, E ve nascer e ve morrer as flores, Todas no leito vos seccou, em quanto Éstas murmuram placidas e cheias, E vão contando ás deleitosas praias Esperanças futuras. Longo e longo O devolver dos seculos Sera, primeiro que a memoria do homem Teça a mortalha fria Da região que inda tinge o albor da aurora. III Talvez, talvez no espirito fechado Do ancião vagueavão lentamente Estas ideias tristes. Juncto á praia Era a austera mansão, donde se via Desenrolarem-se as serenas vagas Do nosso golpho azul. Não a enfeitavam As galas da opulencia, nem os olhos Entristecia co’o medonho aspecto Da miseria; não pródiga nem surda A fortuna lhe fora, mas aquella Mediana sobria, que os desejos Contentado philosopho, lhe havia Doirado os tectos. Guanabara ainda Não era a flor aberta Da nossa edade; era botão apenas, Que rompia do hastil, nascido á beira De suas ondas mansas. Simple e rude, Ia brotando a juvenil cidade, Nestas incultas terras, que a lembrança Recordava talvez do antigo povo, E o guáu alegre, e as rispidas pelejas, Toda essa vida que morreu. IV Sentada Aos pes do velho estava a amada filha, Bella como a açucena dos Cantares, Como a rosa dos campos. A cabeça Nos joelhos do pae reclina a moça, E deixa resvalar o pensamento Rio abaixo das longas esperanças E namorados sonhos. Negros olhos Por entre os mal fechados Cilios estende á serra que recorta Ao longe o ceu. Morena é a face linda E levemente pallida. Mais bella, Nem mais suave era a formosa Ruth Ante o rico Booz, do que essa virgem, Flor que Israel brotou do antigo tronco, Corada ao sol da juvenil America. V Mudos viam correr aquellas horas Da noite, os dous: elle voltando o rosto Ao passado, ella os olhos ao futuro. Cançam-lhe enfim ao pensamento as azas De ir voando, atravez da espessa treva, Frouxas as colhe, e desce ao campo exiguo Da realidade. A delicada virgem Primeiro volve a si; os lindos dedos Corre-lhe ao longo da nevada barba, E: — Pae amigo, que pensar vos leva Tão longe a alma? » Estremecendo o velho: — «Curiosa! — lhe disse, — o pensamento. E como as aves passageiras: voa A buscar melhor clima. — Opposto rumo Ias tu, alma em flor, aberta apenas, Tão longe ainda do calor da sesta, Tão remota da noite... Uma esperança Te sorria talvez? Talvez, quem sabe, Uns namorados olhos que me roubem, Que te levem... Não cores, filha minha! Esquecimento, não; lembrança ao menos Ficar-te-ha do paterno affecto; e um dia, Quando eu na terra descançar meus ossos, Haveras doce balsamo no seio De affeição juvenil... Sim; não te accuso; Ama: é a lei da natureza, eterna! Ama: um homem sera da nossa raça… » VI Éstas palavras taes ouvindo a moça, Turbada os olhos descahiu na terra, E algum tempo ficou calada e triste, Como no azul do ceu o astro da noite, Se uma nuvem lhe empana a meio a face. Subito a voz e o rosto alevantando, Com dissimulação, — peccado embora, Mas innocente: — «Olhai, a noite é linda! O vento encrespa mollemente as ondas, E o ceu é todo azul e todo estrêlías! Formosa, oh! quão formosa a terra minha! Dizei: além desses compridos serros, Além daquelle mar, á orla de outros, Outras como ésta vivem? » VII Fresca e pura Era-lhe a voz, voz d’alma que sabía Entrar no coração paterno. Afronte Inclina o velho sobre o rosto amado De Angela. — Na cabeça ósculo sancto Imprime á filha; e suspirando, os olhos Melancholicamente ao ar levanta, Desce-os e assim murmura: « Vaso é digno de ti, lyrio dos valles, Terra solemne e bella. A natureza Aqui pomposa, compassiva e grande, No regaço recebe a alma que chora E o coração que tumido suspira. Comtudo, a sombra pesarosa e errante Do povo que acabou pranteia ainda Ao longo das arêas, Onde o mar bate, ou no cerrado bosque Inda povoado das reliquias suas, Que o nome de Tupan confessar podem No proprio templo augusto.. Ultima e forte Consolação é esta do vencido Que viu tudo perder-se no passado, E unico salva do naufragio immenso O seu Deus. Patria não. Uma ha na terra Que eu nunca vi... Hoje é ruina tudo, E viuvez e morte. Um tempo, emtanto, Bella e forte ella foi; mas longe, longe Os dias vão de fortaleza e glória Escoados de todo como as aguas Que não volvem jamais. Óleo que a unge, Finas telas que a vestem, atavios De ouro e prata que o collo e os braços lhe ornam, E a flor de trigo e mel de que se nutre, Sonhos, são sonhos do propheta. É morta Jerusalem! Oh! quem lhe dera os dias Da passada grandeza, quando a planta Da senhora das gentes sobre o peito Pousava dos vencidos, quando o nome Do que ha salvo Israel, Moysés... » « — Não! Christo, Filho de Deus! So elle ha salvo os homens! » Isto dizendo, a delicada virgem As mãos postas ergueu. Uma palavra Não disse mais; no coração, emtanto, Murmurava uma prece silenciosa, Ardente e viva, como a fe que a anima Ou como a luz da alampada A que não faltou oleo. VIII Taciturno Esteve longo tempo o ancião. Aquella Alma infeliz nem toda era de Christo Nem toda de Moyses; ouvia attento A palavra da Lei, como nos dias Do eleito povo; mas a doce nota Do Evangelho não raro lhe batia No alvoroçado peito Soleninissima e pura... Descambava No entanto a lua. A noite era mais linda, E mais augusta a solidão. Na alcova Entra a pallida moça. Da parede Um Christo pende; ella os joelhos dobra Os dedos cruza e resa,— não serena, Nem alegre tambem, como costuma, Mas a tremer-lhe nos formosos olhos Uma lagryima. IX A lampada accendida Sobre a meza do velho, as largas folhas Allumia de um livro. O maximo era Dos livros todos. A escolhida lauda Era a do canto dos captivos que iam Pelas ribas do Euphrates, relembrando As desgraças da patria. A sos, com elles, Suspira o velho aquelle psalmo antigo: Juncto aos rios da terra amaldiçoada De Babylonia, um dia nos sentamos, Com saudades de Sião amada. As harpas nos salgueiros penduramos, E ao relembrarmos os extinctos dias As lagrymas dos olhos desatamos. Os que nos davam cruas agonias De captiveiro, alli nos perguntavam Pelas nossas antigas harmonias. E diziamos nós aos que fallavam: «Como era terra de exilio amargo e duro Cantar os hymnos que ao Senhor louvavam?... Jerusalem, se inda n’um sol futuro, Eu desviar de ti meu pensamento E teu nome entregar a olvido escuro, A minha dextra a frio esquecimento Votada seja; apegue-se á garganta Esta lingua infiel, se um so momento Me não lembrar de ti, se a grande e sancta Jerusalem não for minha alegria Melhor no meio de miseria tanta. Oh! lembra-lhes, Senhor, aquelle dia Da abatida Sião, lembra-lh’o aos duros Filhos de Edom, e á voz que alli dizia: Arruinai-a, arruinai-a; os muros Arrazemol-os todos; so lhe baste Um montão de destroços mal seguros. Filha de Babylonia, que peccaste, Abençoado o que se houver contigo Com a mesma oppressão que nos mostraste! Abençoado o barbaro inimigo Que os tenros filhos teus ás mãos tomando, Os for, por teu justíssimo castigo, Contra um duro penedo esmigalhando! PARTE II I Era naquella doce e amavel hora Em que vem branqueando a alva celeste, Quando parece que remoça a vida E toda se espreguiça a natureza. Alva neblina que espalhara a noite Frouxamente nos ares se dissolve, Como de uns olhos tristes Foge co’ o tempo a ja ligeira sombra De consoladas maguas. Vida é tudo, E pompa e graça natural da terra, Mas que não seja no êrmo, Onde seus olhos rutilos espraia Livres a aurora, sem tocar vestigios De obras caducas do homem, onde as aguas Do rio bebe a fugitiva corça, Vivo aroma nos ares se diffunde, E aves, e aves de infinitas cores Voando vão e revoando tornam, Inda senhoras da amplidão que é sua, Donde as hade fugir o homem um dia Quando a agreste soidão entrar o passo Creador que derruba. Ja de todo Nado era o sol; e á viva luz que innunda Estes meus patrios morros e estas praias, Sorrindo a terra moça Noiva parece que o virgineo seio Entrega ao beijo nupcial do amado. E hade os funebres veus lançar a morte Na verdura do campo? A natureza A nota vibrará da extrema angústia Neste festivo cantico de graças Ao sol que nasce, ao Creador que o envia, Como renovação de juventude? II Coava o sol pela miuda e fina Gelosia da alcova em que se apresta A recente christã. Singelas roupas Traja da ingenua côr que a natureza Pintou nas plumas que primeiro brota O seu patrio guará. Vínculo frouxo Mal lhe segura a luzidia trança, Como ao desdem lançada Sobre a espadua gentil. Joia nenhuma, Mais que seus olhos meigos, e essa doce Modestia natural, encanto, enlêvo, Casta flor que aborrece os mimos do horto, E ama livre nascer no campo, á larga, Rustica, mas formosa. Não lhe ensombram As tristezas da vespera o semblante, Nem da secreta lagryma na face Ficou vestigio. — Descuidosa e alegre, Ri-se, murmura uma cantiga, ou pensa, E repete baixinho um nome... Oh! se elle Espreital-a pudesse ali risonha, A sos comsigo, entre o seu Christo e as flores Colhidas ao tombar da extincta noite, E vecejantes inda! III De repente, Aos ouvidos da moça enamorada Chega um surdo rumor de soltas vozes, Que ora crescendo vae, ora se apaga, Extranho, desusado. Eram... São elles, Os francezes, que vem de longes praias A cubiçar a perola mimosa, Nictheroy, na alva-azul concha nascida De suas aguas recatadas. Rege O atrevido Duclere a flor dos nobres, Cuja tez branca requeimára o fogo Que o vivo sol dos tropicos dardeja, E as lufadas dos ventos do oceano. Cobiçam-te elles, minha terra amada, Como quando nas faixas sempre-verdes Eras envolta; e rude, inda que bello, O aspecto havias que poliu mais tarde A clara mão do tempo. Inda repetem Os echos do recôncavo os suspiros Dos que vieram a buscar a morte, E a receberam dos varões possantes Companheiros de Estacio. A todos elles, Prole de Luso ou geração da Gallia, Captivara-os a nayade escondida, E o sol os viu travados nessa longa E sangrenta porfia, cujo premio Era teu verde, candido regaço. Triumphára o trabuco lusitano Naquelle extincto seculo. Vencido, O pavilhão francez volvera á patria, Pela agua arrastando o longo crepe De suas tristes, mortas esperanças. Que vento novo o desfraldou nos ares? IV Angela ouvira as vozes da cidade, As vozes do furor. Ja receiosa, Trémula, foge á alcova e se encaminha A camera paterna. Ia transpondo A franqueada porta... e pára. O peito Rompe-lh’o quasi o coração, — tamanho É o palpitar, um palpitar de gosto, De sorpresa e de susto. Aquelles olhos, De suas aguas recatadas. Rege O atrevido Duclerc a flor dos nobres, Cuja tez branca requeimára o fogo Que o vivo sol dos trópicos dardeja, E as lufadas dos ventos do oceano. Cobiçam-te elles, minha terra amada, Como quando nas faixas sempre-verdes Eras envolta; e rude, inda que bello, O aspecto havias que poliu mais tarde A clara mão do tempo. Inda repetem Os echos do recôncavo os suspiros Dos que vieram a buscar a morte, E a receberam dos varões possantes Companheiros de Estacio. A todos elles, Prole de Luso ou geração da Gallia, Captivara-os a nayade escondida, E o sol os viu travados nessa longa E sangrenta porfia, cujo premio Era teu verde, candido regaço. Triumphára o trabuco lusitano Naquelle extincto seculo. Vencido, O pavilhão francez volvera á patria, Pela agua arrastando o longo crepe De suas tristes, mortas esperanças. Que vento novo o desfraldou nos ares? IV Angela ouvira as vozes da cidade, As vozes do furor. Ja receiosa, Trémula, foge á alcova e se encaminha A camera paterna. Ia transpondo A franqueada porta... e pára. O peito Rompe-lh’o quasi o coração, — tamanho É o palpitar, um palpitar de gosto, De sorpresa e de susto. Aquelles olhos, Aquella graça mascula do gesto, Graça e olhos são delle, o amado noivo, Que entre os mais homens elegeu sua alma Para o vinculo eterno... Sim, que a morte Póde arrancar ao seio humano o alento Ultimo e derradeiro; os que deveras Unidos foram, volverão unidos A mergulhar na eternidade. Estava Juncto do velho pae o gentil moço, Elle todo agitado, o ancião sombrio, Calados ambos. A attitude de ambos, O mysterioso, gelido silêncio, Mais que tudo, a presença nunca usada Daquelle homem ali, que mal a espreita De longe e a furto, nos instantes breves Em que lhe é dado vel-a, tudo á moça O ânimo abala e o coração enfia. V Mas o tropel de fora avulta e cresce E os tres accorda. A virgem, lentamente, Rosto inclinado ao chão, transpõe o espaço Que dos dous a separa. O tenro collo Curva ante o pae, e na enrugada dextra O ósculo imprime, herdada usança nossa De filial respeito. As mãos lhe toma Enternecido o velho; olhos com olhos Alguns instantes rapidos ficaram, Até que elle, voltando o rosto ao moço: « — Perdoai, — disse, - se o paterno affecto Me atou a lingua. Vacillar é justo Quando à pobre ruina a flor lhe pedem Que unica lhe nasceu, — unica adorna A aridez melancholica do extremo, Pallido sol... Não protesteis! Roubal-a, Arrançal-a aos meus ultimos instantes, Não o fareis de certo. Pouco importa Dês que a metade lhe levaes da vida, Dês que seu coração, comvosco parte Affeições minhas. — Ao demais, o sangue Que lhe corre nas veias, condemnado, Nuno, sera dos vossos... » Longo e frio Olhar estas palavras acompanha, Como a arrancar-lhe o pensamento interno. A donzella estremece. Nuno o alento Recobra e falla: — « Puro sangue é elle, Se lhe corre nas veias. Tão mimosa, Cândida creatura, alma tão casta, Inda nascida entre os incréos da Arabia, Deus a votára á conversão e á vida Dos eleitos do ceu Aguas sagradas Que a lavaram no berço, ja nas veias O sangue velho e impuro lhe trocaram Pelo sangue de Christo... » VII Neste instante Cresce o tumulto exterior. A virgem Medrosa toda se conchega ao collo Do velho pae. « Ouvis? Fallae! é tempo! Nuno prosegue. — Este commum perigo Chama os varões á rispida batalha; Com elles vou. Se um galardão, emtanto, Merecer de meus feitos, não á patria « — Perdoai, — disse, - se o paterno affecto Me atou a lingua. Vacillar é justo Quando â pobre ruína a flor lhe pedem Que única lhe nasceu, — unica adorna A aridez melancholica do extremo, Pallido sol... Não protesteis! Roubal-a, Arrançal-a aos meus últimos instantes, Não o fareis de certo. Pouco importa Dês que a metade lhe levaes da vida, Dês que seu coração, comvosco parte Affeições minhas. — Ao demais, o sangue Que lhe corre nas veias, condemnado, Nuno, sera dos vossos... » Longo e frio Olhar estas palavras acompanha, Como a arrancar-lhe o pensamento interno. A donzella estremece. Nuno o alento Recobra e falla: — « Puro sangue é elle, Se lhe corre nas veias. Tão mimosa, Cândida creatura, alma tão casta, Inda nascida entre os incréos da Arabia, Deus a votára á conversão e á vida Dos eleitos do ceu Aguas sagradas Que a lavaram no berço, ja nas veias O sangue velho e impuro lhe trocaram Pelo sangue de Christo... » VII Neste instante Cresce o tumulto exterior. A virgem Medrosa toda se conchega ao collo Do velho pae. «Ouvis? Fallae! é tempo! Nuno prosegue. — Este commum perigo Chama os varões á rispida batalha; Com elles vou. Se um galardão, emtanto, Merecer de meus feitos, não á pátria Irei pedil-o; so de vós o espero, Não o melhor, mas o unico na terra, Que a minha vida... » Rematar não pôde Esta palavra. Ao escutar-lhe a nova Da imminente peleja E a decisão de combater por ella, luteiras sente as forças esvair-lhe A donzella, e bem como ao rijo vento Inclina o collo o arbusto Nos braços desmaiou do pae. Volvida A si, na pallidez do rosto o velho Attenta um pouco, e suspirando: « As armas Empunhae; combatei; Angela é vossa. Não de mim a havereis: ella a si mesma Toda nas vossas mãos se entrega. Morta Ou feliz é a escolha; não vacillo: Seja feliz, e folgarei com ella... » VIII Sôbre a fronte dos dous, as mãos impondo Ao seio os conchegou, bem como a tenda Do patriarcha santo agasalhava O moço Isaac e a delicada virgem Que entre os rios nasceu. Delicioso E solemne era o quadro; mas solemne E delicioso embora, ia esvair-se Qual celeste visão, que accende a espaços O ânimo do infeliz. A guerra, a dura Necessidade de immolar os homens, Por salvar homens, a terrível guerra Corta o amoroso vínculo que os prende E á moça o riso lhe converte em lagrymas. Misera es tu, pallida flor; mas soffre Que o calor deste sol te acurve o calix, Morta, não; nem ja murcha — mas apenas Como cançada dequeimor do estio. Soffre; a tarde virá serena e branda A reviver-te o alento; a fresca noite Choverá sobre ti piedoso orvalho E mais risonha surgirâs á aurora. IX Foge á estancia da paz o hardido moço; Esperança, fortuna, amor e patria A guerrear o levam. Ja nas veias O vivo sangue irrequieto pulsa, Como ancioso de correr por ambas, A bella terra e a suspirada noiva. Triste quadro a seus olhos se apresenta; Nos femininos rostos ve pintados Incerteza e terror; lamentos, gritos Soam de entorno. Voam pelas ruas Homens de guerra; homens de paz se aprestam Para a crua peleja; e, ou nobre estancia, Ou choupana rasteira, armado é tudo Contra a forte invasão. Nem la se deixa Quieto, a sos com Deus, na estreita cella, O solitario monge que ás batalhas Fugiu da vida. O patrimonio sancto Cumpre salval-o. Cruze espada empunha, Deixa a serena região da prece E voa ao torvelinho do combate. X Entre os fortes alumnos que dirige O hardido Bento (*), a perfilar-se corre Nuno. Estes são os que o primeiro golpe Descarregam no attonito inimigo. Do militar officio ignoram tudo, De armas não sabem; mas o brio e a honra E a lembrança da terra em que primeiro Viram a luz, e onde o perdel-a é doce, (*)V. nota, no fim. Essa a escola lhes foi. Pasma o inimigo Do nobre esforço e galhardia rara, Com que inda nos humbraesda vida que orna Tanta esperança, tanto sonho de ouro, Resolutos a morte encaram, prestes A retalhar nas dobras Da vestidura funebre da patria O piedoso lençol que os leve á campa, Ou com ella cingir o eterno louro. XI O’ mocidade, ó baluarte vivo Da cara patria! Ja perdida é ella, Quando em teu peito enthusiasmo sancto E puro amor se extingue, e aquelle nobre, Generoso despejo e ardor antigo Succede o frio calcular, e o torpe Egoismo, e quanto hahi no humano peito, Que a natureza não creou nem ama, Que é fructo nosso e podre... Muitos caem Mortos alli. Que importa? Vão seguindo Avante os bravos, que a invasão caminha Implacavel e dura, como a morte, A pelejar e a destruir. Tingidas Ruas de extranho sangue E sangue nosso, lacerados membros, Corpos de que ha fugido a alma cançada, E o denso fumo e os funebre lamentos, Quem nessa confusão, miseria e glória Conhecerá da juvenil cidade O aspecto, a vida? Aqui da infancia os dias Nuno vivera, á vecejante sombra Do seu patrio arvoredo, ao som das vagas Que inda batendo vão na amada areia; Risos, jogos da verde meninice, Ésta praia lhe lembra, aquella pedra, A mangueira do campo, a tosca cerca De espinheiro e de flores enlaçadas, A ave que voa, a brisa que suspira, Que suspira como elle ha, suspirado, Quando rompendo o coração do peito Ia-lhe empos dessa visão divina, Realidade agora... E ha deperdel-as Patria e noiva? Ésta ideia lhe esvoaça Torva e surda no cérebro do moço, E ao contraindo espirito redobra Impeto e forças. Rompe Por entre a multidão dos seus, e investe Contra o duro inimigo; as balas voam, E com ellas a morte, que não sabe Dos escolhidos seus a terra e o sangue, E indistinctos os toma; elle, no meio Daquelle horrivel turbilhão, parece Que a faisca do genio o leva e anima, Que a fortuna o votara á glória. XII Soam Emfim os gritos de triumpho; e o peito Do povo que lutou respira á larga, Como ao que, após árdua subida, chega Ao cimo da montanha, e ao longe os olhos Estende pelo azul dos céus, e a vida Bebe nesse ar mais puro. Farto sangue A victoria custara; mas, se em meio De tanta glória ha lagrymas, soluços, Gemidos de viuvez, quem os escuta, Quem as ve essas lagrymas choradas Na multidão da praça que troveja E folga e ri? O sacro bronze que usa Os fieis convidar á prece, e a morte Do homem pranteia lugubre e solemne, Ora festivo canta O commum regosijo; e pela aberta Porta dos templos entra a frouxo o povo A agradecer com lagrymas e vozes O triumpho, —piedoso instincto da alma, Que a Deus levanta o pensamento e as graças. XIII Tu, mancebo feliz, tu bravo e amado, Voa nas azas rútilas e leves Da fortuna e do amor. Como ao indiano, Que, ao regressar das porfiadas lutas, Por estas mesmas regiões entrava, A encontral-o sahia a meiga esposa, — A recente christã, entre assustada E jubilosa coroará teus feitos Co’a melhor das capellas que hão pousado Em fronte de varão, — um doce e longo Olhar que inteiro encerra a alma que chora De gosto e vida! Voa o moço á estancia Do ancião; e ao pôr na suspirada porta Olhos que traz famintos de encontral-a, Frio terror lhe empece os membros. Frouxo Ia o sol transmontando; lenta a vaga Melancholicamente ali gemia, E todo o ar parecia arfar de morte. Qual se pallida a vira, ja cerrados Os desmaiados olhos, Frios os doces labios Cançados de pedir aos ceus por elle, Nuno estacára; e pelo rosto em fio O suor lhe cahiu da extrema angústia; Longo tempo vacilla; Vence-se emfim, e entra a mansão da espôsa. XIV Quatro vultos na camera paterna Eram. O pae sentado, Calado e triste. Reclinada a fronte No espaldar da cadeira, a filha os olhos E o rosto esconde, mas tremor contínuo De um abafado soluçar o esbelto Corpo lhe agita. Nuno aos dous se chega; Ia a fallar, quando a formosa virgem, Os lacrymosos olhos levantando, Um grito solta do intimo do peito E se lhe prostra aos pes: « Oh! vivo, es vivo! Inda bem... Mas o ceu, que por nós vela, Aqui te envia... Salva-o tu, se pódes, Salva meu pobre pae! » Estremecendo Nella e no velho fita Nuno os olhos, E agitado pergunta: « Qual ousado Braço lhe ameaça a vida? » Cavernosa Uma voz lhe responde: «O sancto officio! » Volve o mancebo o rosto E o merencorio aspecto De dous familiares todo o sangue Nas veias lhe gelou. XV Solemne o velho Com voz, não frouxa, mas pausada, falla: « — Ves? todo o brio, todo o amor no peito Te emudeceu. So lastimar-me podes, Salvar-me, nunca. O carcere me aguarda, E a fogueira talvez; cumpril-a, é tempo, A vontade de Deus. Tu, pae e espôso Da desvalida filha que ahi deixo, Nuno, seras. A relembrar com ella Meu pobre nome, applacareis a immensa Colera do Senhor... » Sorrindo ironico, Estas palavras últimas lhe caem Dos labios tristes. Ergue-se: « Partamos! Adeus! Negou-me Aquelle que no campo Deixa a arvore ancian perder as folhas No mesmo ponto em que as nutriu viçosas, Negou-me ver por estas longas serras Ir-se-me o último sol. Brando regaço A filial piedade me daria Em que eu dormisse o derradeiro somno, E em braços de meu sangue transportado Fora em horas de paz e de silêncio Levado ao leito extremo e eterno. Vive Ao menos tu... » XVI Um familiar lhe corta O adeus último: «Vamos: é ja tempo! » Resignado o infeliz, ao seio aperta A filha, e todo o coração n’um beijo Lhe transmittiu, e a caminhar começa. Angela os lindos braços sobre os hombros Trava do austero pae; flores dissereis De parasita, que enroscou seus ramos Pelo cançado tronco, esteril, sêcco De árvore antiga: «Nunca! Hão de primeiro A alma arrancar-me! Ou se heis peccado, e a morte Pena hade ser da commettida culpa, Comvosco descerei á campa fria, Junctos a mergulhar na eternidade. Israel tem vertido Um mar de sangue. Embora! á tona delle Verdeja a nossa fe, a fe que anima O eleito povo, flor suave e bella Que o medo não desfolha, nem ja sécca Ao vento mau da colera dos homens! » XVII Trémula a voz do peito lhe sahia. Das mãos lhe trava um dos algozes. Ella Entrega-se risonha, Como se o calix da amargura extrema Pelos meles da vida lhe trocassem Celeste e eterna. O coração do moço Latejava de espanto e susto. Os olhos Pousa na filha o desvairado velho. Que ouviu? — Attenta nella; o lindo rosto O ceu não busca jubiloso e livre. Antes, como travado de agra pena, Pende-lhe agora ao chão. Dizia acaso Entre si mesma uma oração, e o nome De Jesus repetia, mas tão baixo, Que o coração do pae mal pôde ouvir-lh’o. Mas ouviu-lh’o; e tão forte amor, tamanho Sacrifício da vida a alma lhe rasga E deslumbra. Escoou-se um breve tempo De silêncio; elle e ella, os tristes noivos, Como se a eterna noite os recebêra. Gelados eram; levantar não ousam Um para o outro os arrasados olhos De mal contidas e teimosas lagrymas. XVIII Nuno emfim, lentamente e a custo arranca Do coração éstas palavras: « Fôra Misericordia ao menos confessal-o Quando ao fogo do bárbaro inimigo Me era facil deixar o derradeiro Sopro da vida. Premio é este acaso De tamanho lidar? Que mal te hei feito, Porque me dês tão barbara e medonha Morte, como ésta, em que o cadaver guarda Inteiro o pensamento, inteiro o aspecto Da vida que fugiu? » Angela os olhos Maguados ergue; arfa-lhe o peito afflicto, Como o dorso da vaga que entumece A aza da tempestade. « Adeus! » suspira E a fronte abriga no paterno seio. XIX O rebelde ancião, domado entanto, Afracar-se-lhe sente dentro d’alma O sentimento velho que bebêra Com o leite dos seus; e sem que o labio Transmitia a ouvidos de homem O duvidar do coração, murmura Dentro de si: « Tão poderosa é essa Ingenua fe, que inda negando o nome Do seu Deus, confiada acceita a morte, E guarda puro o sentimento interno Com que o veu rasgará da eternidade? O’ Nazareno, ó filho do mysterio, Se é tua lei a unica da vida Escreve-m’a no peito; e dá que eu veja Morrer commigo a filha de meus olhos E unidos irmos, pela porta immensa Do teu perdão, á eternidade tua! » XX Mergulhára de todo o sol no occaso, E a noite, clara, deliciosa e bella, A cidade cobriu, — não socegada, Como costuma, — porém leda e viva, Cheia de luz, de cantos e rumores, Victoriosa emfim. Elles, calados, Foram por entre a multidão alegre, A penetrar o carcere sombrio Donde ao mar passarão, que os leve ás praias Da ancian Europa. Carregado o rosto, Ia o pae; ella, não. Serena e meiga, Entra affouta o caminho da amargura, A custo soffreando internas maguas Da amarga vida, breve flor como ella, Que inda mais breve a mente lhe affigura. Anjo, descera da região celeste A pairar sobre o abysmo; anjo, subia De novo á esphera luminosa e eterna, Patria sua. Levar-lhe-ha Deus em conta O muito amor e o padecer extremo, Quando romper a túnica da vida E o silencio immortal fechar seus labios, JOSÉ BONIFACIO De tantos olhos que o brilhante lume Viram do sol amortecer no occaso, Quantos verão nas orlas do horisonte Resplandecer a aurora? Innumeras, no mar da eternidade, As gerações humanas vão cahindo; Sobre ellas vae lançando o esquecimento A pesada mortalha. Da agitação esteril em que as fôrças Consumiram da vida, raro apenas Um echo chega aos seculos remotos, E o mesmo tempo o apaga. Vivos transmitte a popular memoria O genio creador e a sã virtude, Os que o patrio torrão honrar souberam, E honrar a espécie humana. Vivo irás tu, egregio e nobre Andrada! Tu, cujo nome, entre os que á patria deram O baptismo da amada independencia, Perpetuamente fulge. O engenho, as forças, o saber, a vida, Tudo votaste á liberdade nossa, Que a teus olhos nasceu, e que teus olhos Inconcussa deixaram. Nunca interesse vil manchou teu nome, Nem abjectas paixões; teu peito illustre Na viva chamma ardeu que os homens leva Ao sacrifício honrado. Se teus restos ha muito que repousam No po commum das gerações extinctas, A patria livre que legaste aos netos, E te venera e ama, Nem a face mortal consente á morte Que te roube, e no bronze redivivo O austero vulto restitue aos olhos Das vindouras edades. «Vede (lhes diz) o cidadão que teve Larga parte no largo monumento Da liberdade, a cujo seio os povos Do Brasil se acolheram. «Póde o tempo varrer, um dia, ao longe, A fabrica robusta; mas os nomes Dos que o fundaram viverão eternos, E viverás, Andrada! » A VISÃO DE JACIUCA Où sont ces âmes guerrières .. et ces ares qu'on ne vit jamais tendus en vain? BOSSUET: Orais. fun. de la princesse Palatine. Prestes de novo a batalhar, chegavam Os valentes guerreiros. Mas onde elle, O duro chefe da indomavel tribu, O senhor das montanhas? Affirmava Tatupeba que o vira, antes da aurora, Erguer-se, e ao longo do visinho rio, Por algum tempo caminhar calado, Como se o abafára um pensamento E lhe impedira o somno. Vão receio De batalhar? Oh! não! Quasi na infancia, A torva catadura viu da guerra, Officio de homens, que aprendeu brincando Com seu pae, extremado entre os guerreiros, E na bravura e na prudencia; a frecha Ninguem soubera menear como elle, Nem mais veloz, nem mais certeira nunca. A lentos passos caminhando chega, Emfim, o bravo Jaciuca. Torvo E merencorio traz o duro aspecto. « — Vamos (diz elle) a descançarna taba, Entre festas e dansas; penduremos As armas nossas, que sobeja ha sido A glória, e a doce paz nos chama. » Leve, Surdo rumor entre os guerreiros soa; Vai subindo, é rugido, é ja tumulto, Como o grunhir de tajassús no matto, Que se approxima e cresce. Jaciuca Olhos quietos pelo campo estende; Seu feio rosto é como a rocha dura Que o raio quebra, mas não lasca o vento. Fecha os labios e pensativo espera. Tatupeba, que a raiva a custo esconde, Ergue-se então; crava-lhe os fulvos olhos, Como a afiada ponta de uma frecha. Seu porte, entre os irmãos, semelha á vista Jequitibá robusto; mais que todos, Terror inspira e universal respeito. Ergue-se e falia: « — Longos soes hei visto, Pelejei muitas guerras ; a meu lado Vi cahir mais valentes do que folhas Arranca o furacão; mas nunca o ânimo Dos lidadores abalou palavra Como essa tua; nunca os braços nossos Ficar deixaram nos desertos campos Os ossos não vingados dos guerreiros. Que genio mau te insinuou tal crime? » Assim fallando, Tatupeba o solo Com a planta feriu. Os olhos todos Pendem da boca do sombrio chefe. Silencioso Jaciuca ouvira As fallas do guerreiro; silencioso E quieto ficou. Apos instantes, A fronte sacudiu, como expellindo Ideias más que o cérebro lhe turvam, E a voz lhe rompe do intimo do peito. « O’ guerreiros, (diz elle), aqui deitados Estivestes a noite, e toda inteira A dormistes de certo; eu, não distante, Do rio á marge a trabalhar commigo, Afiava na mente atra vingança; Até que os frouxos membros descahiram Sobre a macia relva, e um tempo largo Assim fiquei entre vigilia e somno. Viam meus olhos ondular as aguas, Mas no alheado pensamento os echos Sussurravam da infancia. Um genio amigo Aos tempos me levava em que no rosto De meu pae aprendi, com frio pasmo, A rara intrepidez, válida herança, Que tanto custa ao perfido inimigo. « De repente, uma luz pallida e triste Inunda o campo: transparente nevoa E luminosa aquillo parecia, Ou baço reflectir da branca lua Que nuvens cobrem. Livido e curvado, Içayba a meus olhos apparece. Vi-o qual era antes da fria morte; So a expressão do rosto lhe mudára; Energicas não tinha, mas serenas As feições. «Vem commigo! » Assim me falla O extincto bravo; e, subito estreitando Ao peito o corpo do saudoso amigo, Juntos voámos á região das nuvens. «Olha! » disse Içayba, e o braço alonga Para a terra. O’ guerreiros! largo espaço Era prêsa de alheio senhorio. Fitei os olhos mais; e pouco a pouco, Como enche o rio e todo o campo alaga, Umas gentes extranhas se estendiam De sertão em sertão. Presas do fogo As mattas vi, abrigo do guerreiro, E ao torvo incendio e ás invasões da morte Vi as tribus fugir, ceder a custo, Com lagrymas alguns, todos com sangue, A virgem terra ao barbaro inimigo. Mau vento os trouxe de remota praia Aquelles homens novos, jamais vistos De guerreiro ancião, a quem não coube Sequer a gloria de morrer contente E todo reviver na ousada prole. Era o termo da vida que chegara Ao povo de Tupan! Grito de morte Unico enchia os ares, — um suspiro De tristeza e terror, que reboava Pelos recessos da floresta antiga E talvez ameigava o peito ás feras... Surdos os manitôs deixado haviam Os seus fortes heroes; surdos se foram Entre os genios folgar da raça nova, E rir talvez das lagrymas choradas Pelos olhos das virgens... Oh! se ao menos Fora pranto de livres! Era a morte A menor das angustias; vi curvada E captiva rojar no po da terra A fronte do guerreiro, agora altiva, Livre, como o condor que frecha as nuvens; Não kanitar a cinge, mas vergonha, Melancholico adorno do vencido. « O rosto desviei do extranho quadro. « Olha! » repete o pallido Içayba. Olhei de novo, e na saudosa taba, Que os nossos arcos defender souberam, Em vez da sombra do piaga santo, Que ao som do maracá, colhia as vozes Do pensamento eterno, e as infundia No seio do guerreiro, como o fumo Do petum lhe dobrava impeto e força, Um vulto descobri de vestes negras, Nua quasi a cabeça, e côr de espuma Alguns cabellos raros. Tinha o rosto Alvo e quieto. Em suas mãos sustinha Extenso lenho com dous curtos braços. Ia so; todo o campo era deserto. Nem um guerreiro! um arco! « —Atribu? » — « Extincta. » « A tal palavra, uma pesada sombra A vista me apagou, e pela face Senti rolar a lagryma primeira. O sinistro espectaculo mudara. Ao dissipar-se a nuvem de meus olhos Achei-me junto do visinho rio, Reclinado como antes, e defronte A pallida figura de Içayba. « — Torna á taba, me disse o extincto moço; « Luas e luas volverão no espaço « Antes da morte, mas a morte é certa, « E terrivel sera. Nação bem outra, « Sobre as ruinas da valente raça « Vira sentar-se, e brilhara na terra « Gloriosa e rica. Uma chorada lagryma, « Talvez, talvez, no meio do triumphos « Ha de ser a tardia, escassa paga « Da morte nossa. Poupa ao menos essa « Derradeira esperança de guardal-o « Todo o valor para o supremo dia « E com honra ceder a extranhas hostes; « Salva ao menos as ultimas reliquias « Desta nação vencida; não se rasguem « Peitos que irmãos ao mesmo sol nasceram « E Anhangá fez contrarios... Todos elles « Poucos serão para a tremenda luta, « Mas de sobra hão de ser para choral-a. » « Assim fallára o pallido Içayba; Alguns instantes contemplou meu rosto. Calado e firme. A cachoeira ao longe Interrompia apenas o silencio; E eu morto, eu mesmo me sentia morto. Elle um triste suspiro magoado Soltou do peito; os apagados olhos Ás estrêllas ergueu, sereno e triste, E de novo rompendo o voo aos ares, Como uma frecha penetrou nas nuvens. CANTIGA DO ROSTO BRANCO (*) Rico era o rosto branco; armas trazia, E o licor que devora e as finas telas; Na gentil Tibehyma os olhos pousa, E amou a flor das bellas. « Quero-te! » disse á cortezã da aldêa; « Quando, juncto de ti, teus olhos miro, A vista se me turva, as forças perco, E quasi, e quasi expiro. » (*) Veja nota no fim. E responde a morena requebrando Um olhar doce, de cobiça cheio: «Deixa em teus labios imprimir meu nome; Aperta-me em teu seio! » Uma cabana levantaram ambos, O rosto branco e a amada flor das bellas... Mas as riquezas foram-se co’o tempo, E as illusões com ellas. Quando elle empobreceu, a amada moça Noutros labios pousou seus labios frios, E foi ouvir de coração extranho Alheios desvarios. Desta infidelidade o rosto branco Triste nova colheu; mas elle amava, Inda infieis, aquelles labios doces, E tudo perdoava. Perdoava-lhe tudo, e inda corria A mendigar o grão de porta em porta, Com que a moça nutrisse, em cujo peito Jazia a affeição morta. E para si, para afogar a magua, Se um pouco havia do licor ardente, A dor que o devorava e renascia Matava lentamente. Sempre trahido, mas amando sempre, Elle a razão perdeu; foje á cabana, E vae correr na solidão do bosque Uma carreira insana. O famoso Sachem, ancião da tribu, Vendo aquella traição e aquella pena, Á ingrata filha duramente falla, E rispido a condemna. Em vão! É duro o fructo da papaya, Que o labio do homem acha doce e puro; Coração de mulher que já não ama Esse é inda mafs duro. Nu, qual sahíra do materno ventre, Olhos cavos, a barba emmaranhada, O misero tornou, e ao proprio tecto Veiu pedir pousada. Volvido se cuidava á flor da infancia (Tão escuro trazia o pensamento!) « Mãe! » exclamava contemplando a moça, « Acolhe-me um momento! » Vinha faminto. Tibehyma, entanto, Que ja de outro guerreiro os dons houvera, Sentiu asco daquelle que outro tempo As riquezas lhe dera. Fôra o lançou; e elle expirou gemendo Sôbre folhas deitado junto á porta; Annos volveram; co’ os volvidos annos, Tibehyma era morta. Quem alli passa, contemplando os restos Da cabana, que a herva toda esconde, Que ruinas são essas interroga E ninguem lhe responde. A GONSALVES DIAS Ninguem virá, com titubiantes passos, E os olhos lacrimosos, procurando O meu jazigo... GONSALVES DIAS. — Ult. cant. Tu vive e gosa a luz serena e pura. J. BAZILIO DA GAMA. — Urug. c. v. Assim vagou por alongados climas, E do naufragio os humidos vestidos Ao calor enxugou de extranhos lares O luzitano vate. Acerbas penas Curtiu naquellas regiões; e o Ganges, Se o viu chorar, não viu pousar calada, Como a harpa dos exules prophetas, A heroica tuba. Elle a embocou, vencendo Co’ a lembrança do ninho seu paterno, Longas saudades e miserias tantas. Que monta o padecer? Um so momento As maguas lhe pagou da vida; a patria Reviu, apoz a suspirar por ella; E a velha terra sua O despojo mortal cobriu piedosa E de sobejo o compensou de ingratos. Mas tu, cantor da America, roubado Tão cedo ao nosso orgulho, não te coube Na terra em que primeiro houveste o lume Do nosso sol, achar o último leito! Não te coube dormir no chão amado, Onde a luz frouxa da serena lua, Por noite silenciosa, entre a folhagem Coasse os raios humidos e frios, Com que ella chora os mortos... derradeiras Lagrymas certas que tera na campa O infeliz que não deixa sobre a terra Um coração ao menos que o prantêe. Vinha contudo o pallido poeta Os desmaiados olhos estendendo Pela azul extensão das grandes aguas, A pesquizar ao longe o esquivo fumo Dos patrios tectos. Na abatida fronte Ave de morte as azas lhe roçara; A vida não cobrou nos ares novos, A vida, que em vigilias e trabalhos, Em prol dos seus, gastou por longos annos, Co’ essa larguesa de ânimo fadado A entornar generoso a vital seiva. Mas, que importava a morte, se era doce Morrel-a á sombra deliciosa e amiga Dos coqueiros da terra, ouvindo acaso No murmurar dos rios, Ou nos suspiros do nocturno vento, Um echo melancholico dos cantos Que elle outr’ora entoara? Traz do exilio Um livro, monumento derradeiro Que à patria levantou; alli revive Toda a memoria do valente povo Dos seus Tymbiras… Subito, nas ondas Bate os pes, espumante e desabrido, O corsel da tormenta; o horror da morte Enfia o rosto aos nautas... Quem por elle, Um momento hesitou quando na fragil Tabua confiou a unica esperança Da existencia? Mysterio obscuro é esse Que o mar não revellou. Ali, sosinho, Travou naquella solidão das aguas O duello tremendo, em que a alma e corpo As suas forças últimas despendem Pela vida da terra e pela vida Da eternidade. Quanta imagem torva, Pelo turbado espirito batendo As fuscas azas, lhe tornou mais triste Aquelle instante funebre! Suave É o arranco final, quando o ja frouxo Olhar contempla as lagrymas do affecto, E a cabeça repousa em seio amigo. Nem affectos nem prantos; mas somente A noite, o medo, a solidão e a morte. A alma que alli morava, ingenua e meiga, Naquelle corpo exiguo, abandonou-o, Sem ouvir os soluços da tristeza, Nem o grave salmear que fecha aos mortos O frio chão. Ella o deixou, bem como Hospede mal acceito e mal dormido, Que prosegue a jornada, sem que leve O ósculo da partida, sem que deixe No rosto dos que ficam, — rara embora, — Uma sombra de pallida saudade. Oh! sobre a terra em que pousaste um dia, Alma filha de Deus, ficou teu rasto Como de estrêlla que perpétua fulge! Não viste as nossas lagrymas; comtudo O coração da patria as ha vertido. Tua glória as seccou, bem como orvalho Que a noite amiga derramou nas flores E o raio enxuga da nascente aurora. Na mansão a que foste, em que ora vives, Has de escutar um echo do concerto Das vozes nossas. Ouvirás, entre ellas, Talvez, em labios de indiana virgem! Esta saudosa e suspirada nenia: « Morto, é morto o cantor dos meus guerreiros! Virgens da matta, suspirae commígo! « A grande agua o levou como invejosa. Nenhum pe trilhará seu derradeiro Funebre leito; elle repousa eterno Em sitio onde nem olhos de valentes, Nem mãos de virgens poderão tocar-lhes Os frios restos. Sabiá da praia De longe o chamará saudoso e meigo, Sem que elle venha repetir-lhe o canto. Morto, é morto o cantor dos meus guerreiros! Virgens da matta, suspirae commigo! Elle houvera do Ybake o dom supremo De modular nas vozes a ternura, A cholera, o valor, tristeza e magua, E repetir aos namorados echos Quanto vive e reluz no pensamento. Sobre a margem das aguas escondidas, Virgem nenhuma suspirou mais terna, Nem mais válida a voz ergueu na taba, Suas nobres acções cantando aos ventos, O guerreiro tamoyo. Doce e forte, Brotava-lhe do peito a alma divina. Morto, é morto o cantor dos meus guerreiros! Virgens da matta, suspirae commigo! « Coema, a doce amada de Itajuba, Coema não morreu; a folha agreste Póde em ramas ornar-lhe a sepultura, E triste o vento suspirar-lhe em torno; Ella perdura a virgem dos Tymbiras, Ella vive entre nós. A’rosa e linda, Sua nobre figura adorna as festas E enflora os sonhos dos valentes. Elle, O famoso cantor quebrou da morte O eterno jugo; e a filha da floresta Hade a história guardar das velhas tabas Inda depois das útimas ruinas. Morto, é morto o cantor dos meus guerreiros! Virgens da matta, suspirae commigo! « O piaga, que foge a extranhos olhos, E vive e morre na floresta escura, Repita o nome do cantor; nas aguas Que o rio leva ao mar, mande-lhe ao menos Uma sentida lagryma, arrancada Do coração que elle tocára outr’ora, Quando o ouviu palpitar sereno e puro, E na voz celebrou de eternos carmes. Morto, é morto o cantor dos meus guerreiros! Virgens da matta, suspirae commigo! » OS SEMEADORES ( SECULO XVI ) Eis ahi sahiu o que semêa a semear. MATH. XIII, 3. Vós os que hoje colheis, por esses campos largos, O doce fructo e a flor, Acaso esquecereis os asperos e amargos Tempos do semeador? Rude era o chão; agreste e longo aquelle dia; Comtudo, esses heroes Souberam resistir na afanosa porfia Aos temporaes e aos soes. Poucos; mas a vontade os poucos multiplica, E a fé, e as orações Fizeram transformar a terra pobre em rica E os centos em milhões Nem somente o labor, mas o perigo, a fome, O frio, a descalcez, O morrer cada dia uma morte sem nome, O morrel-a, talvez, Entre barbaras mãos, como se fora crime, Como se fora reu Quem lhe ensinara aquella acção pura e sublime De as levantar ao ceu! O’ Paulos do sertão! Que dia e que batalha! Vencestel-a; e podeis Entre as dobras dormir da secular mortalha; Vivireis, vivireis! A FLOR DO EMBIROÇU Noite, melhor que o dia, quem não te ama? FIL. ELYS. Quando a nocturna sombra envolve a terra E á paz convida o lavrador cançado, Á fresca brisa o seio delicado A branca flor do embiroçu descerra. E das limpidas lagrymas que chora A noite amiga, ella recolhe alguma; A vida bebe na ligeira bruma, Até que rompe no horisonte a aurora. Então, á luz nascente, a flor modesta, Qnando tudo o que vive alma recobra, Languidamente as suas folhas dobra, E busca o somno quando tudo é festa. Suave imagem da alma que suspira E odeia a turba vã! da alma que sente Agitar-se-lhe a aza impaciente E a novos mundos transportar-se aspira! Tambem ella ama as horas silenciosas, E quando a vida as lutas interrompe, Ella da carne os duros elos rompe, E entrega o seio ás illusões viçosas. É tudo seu, — tempo, fortuna, espaço, E o ceu azul e os seus milhões de estrêllas; Abrazada de amor, palpita ao vel-as, E a todas cinge no ideial abraço. O rosto não encara indifferente, Nem a traidora mão candida aperta; Das mentiras da vida se liberta E entra no mundo que jamais não mente. Noite, melhor que o dia, quem não te ama? Labor ingrato, agitação, fadiga, Tudo faz esquecer tua aza amiga Que a alma nos leva onde a ventura a chama. Ama-te a flor que desabrocha á hora Em que o último olhar o sol lhe estende, Vive, embala-se, orvalha-se, recende, E as folhas cerra quando rompe a aurora. LUA NOVA Mãe dos fructos, Jacy, no alto espaço Eil-a assoma serena e indecisa: Sôpro é della ésta languida brisa Que sussurra na terra e no mar. Não se mira nas aguas do rio, Nem as hervas do campo branqueia; Vaga e incerta ella vem, como a ideia Que inda apenas começa a espontar. E iam todos; guerreiros, donzellas, Velhos, moços, as redes deixavam; Rudes gritos na aldêa soavam, Vivos olhos fugiam p’ra o ceu: Iam ve-la, Jacy, mãe dos fructos, Que, entre um grupo de brancas estrêllas, Mal scintilla: nem póde vencel-as, Que inda o rosto lhe cobre amplo veu. E um guerreiro: « Jacy, doce amada, Retempera-me as forças; não veja Olho adverso, na dura peleja, Este braço ja frouxo cahir. Vibre a setta, que ao longe derruba Tajassú, que roncando caminha; Nem lhe escape serpente damnínha, Nem lhe fuja pesado tapir. » E uma virgem: « Jacy, doce amada, Dobra os galhos, carrega esses ramos Do arvoredo co’as fructos que damos Aos valentes guerreiros, que eu vou A buscal-os na matta sombria, Por trazel-os ao moço prudente, Que venceu tanta guerra valente, E estes olhos consigo levou. » E um ancião, que a saudára ja muitos, Muitos dias: « Jacy, doce amada, Dá que seja mais longa a jornada, Dá que eu possa saudar-te o nascer, Quando o filho do filho, que hei visto Triumphar de inimigo execrando, Possa as pontas de um arco dobrando Contra os arcos contrarios vencer. » E elles riam os fortes guerreiros, E as donzellas e esposas cantavam, E eram risos que d’alma brotavam, E eram cantos de paz e de amor. Rude peito criado nas brenhas, — Rude embora, — terreno é propicio; Que onde o germen lançou beneficio Brota, enfolha, verdeja, abre em flor. SABINA Sabina era mucania da fazenda; Vinte annos tinha; e na provincia toda Não havia mestiça mais á moda, Com suas roupas de cambraia e renda. Captiva, não entrava na senzala, Nem tinha mãos para trabalho rude; Desbrochava-lhe a sua juventude Entre carinhos e affeições de sala. Era cria da casa. A sinhá moça, Que com ella brincou sendo menina, Sobre todas amava esta Sabina, Como esse ingenuo e puro amor da roça. Dizem que á noite, a suspirar na cama, Pensa n’ella o feitor; dizem que um dia, Um hospede que alli passado havia, Poz um cordão no cotio da mucama. Mas que vale uma joia no pescoço? Não pôde haver o coração da bella. Se alguem lhe accende os olhos de gazella, É pessoa maior: é o senhor moço. Ora, Octavio cursava a Academia. Era um lindo rapaz; a mesma edade Co’as passageiras flores o adornava De cujo extincto aroma inda a memoria Vive na tarde pallida do outomno. Oh! vinte annos! O’ pombas fugitivas Da primeira estação, porque tão cedo Voaes de nós? Pudesse ao menos a alma Guardar comsigo as illusões primeiras, Virgindade sem preço, que não paga Essa descolorida, arida e sêcca Experiência do homem! Vinte annos Tinha Octavio, e a belleza e um ar de corte E o gesto nobre, e seductor o aspecto; Um vero Adonis, como aqui diria Algum poeta classico, d’aquella Poesia que foi nobre, airosa e grande Em tempos idos, que ainda bem se foram... Tambem eu a adorei, uma hora ao menos, E suspirei d’estes remotos climas Pelas formosas ribas do Scamandro, Onde descia, entre soldados gregos, A moça Venus; frivolo suspiro Que não pode accordar dos seus sepulchros Esses numes brincões da velha edade, Mortos por seus peccados, — que os tiveram, E por socego nosso. Eram amaveis E bellos no seu tempo; hoje fariam Egual papel ao do tardio máscara Que, ao desdobrar a aurora os pannos de ouro, Entre madrugadores se aventura. Cursava a Academia o moço Octavio; Ia no anno terceiro: não remoto Via desenrolar-se o pergaminho, Premio de seus labores e fadigas; E uma vez bacharel, via mais longe Os curvos braços da feliz cadeira D’onde o legislador a redea empunha Dos lepidos frisões do Estado. Emtanto, Sôbre os livros de estudo, gota a gota As horas despendia, e trabalhava Por metter na cabeça o jus romano E o patrio jus. Nas suspiradas ferias Volvia ao lar paterno; ali no dorso De brioso corsel corria os campos, Ou, arma ao hombro, polvorinho ao lado, Á caça dos veados e cotias, Ia matando o tempo. Algumas vezes Com o padre vigario se entretinha Em desfiar um ponto de intrincada Philosophia, que o senhor de engenho, Feliz pae, escutava glorioso, Como a rever-se no brilhante aspecto Do suas ricas esperanças. Era Manhã de estio; erguera-se do leito Octavio; em quatro sorvos toda esgota A taça de cafe. Chapeo de palha, E arma ao hombro, Ia foi terreiro fora, Passarinhar no matto. Ia costeando O arvoredo que além beirava o rio, A passo curto, e o pensamento á larga, Como leve andorinha que sahisse Do ninho, a respirar o hausto primeiro Da manhã. Pela aberta da folhagem, Que inda não doura o sol, uma figura Deliciosa, um busto sobre as ondas Suspende o caçador. Mãe d’agua fôra, Talvez, se a côr de seus quebrados olhos Imitasse a do ceu: se a tez morena, Morena como a espôsa dos Cantares, Alva tivesse; e raios de ouro fossem Os cabellos da côr da noite escura, Que ali soltos e humidos lhe caem, Como um veu sobre o collo. Trigueirinha, Cabello negro, os largos olhos brandos Côr de jaboticaba, quem seria, Quem, senão a mucama da fazenda, Sabina, emfim? Logo a conhece Octavio, E n’ella os olhos espantados fita Que desejos accendem. — Mal cuidando D’aquelle extranho curioso, a virgem Com os ligeiros braços rompe as aguas, E ora toda se esconde, ora ergue o busto, Talhado pela mão da natureza Sobre modelo classico. Na opposta Riba suspira um passarinho; e o canto, E a meia luz, e o sussurrar das águas, E aquella fada ali, tão doce vida Davam ao quadro, que o ardente alumno Trocára por aquillo, uma hora ao menos, A Faculdade, o pergaminho e o resto. Subito erige o corpo a ingenua virgem; Com as mãos, os cabellos sobre a espadua Deita, e rasgando lentamente as ondas, Para a margem caminha, tão serena, Tão livre como quem de extranhos olhos Não suspeita a cubiça... Veu da noute, Se lh’os cubríra, dissipara acaso Uma história de lagrymas. Não póde Furtar-se Octavio á commoção que o toma; A clavina que a esquerda mal sustenta No chão lhe cae; e o baque surdo accorda A descuidada nadadora. Ás ondas A virgem torna. Rompe Octavio o espaço Que os divide; e de pe, na fina area, Que o molle rio lambe, erecto e firme, Todo se lhe descobre. Um grito apenas Um so grito, mas unico, lhe rompe Do coração; terror, vergonha... e acaso Prazer, prazer mysterioso e vivo De captiva que amou silenciosa, E que ama e ve o objecto de seus sonhos, Ali com ella, a suspirar por ella. « Flor da roça nascida ao pe do rio, Octavio começou — talvez mais bella Que essas bellezas cultas da cidade, Tão cobertas de joias e de sedas, Oh! não me negues teu suave aroma! Fez-te captiva o berço; a lei somente Os grilhões te lançou; no livre peito De teus senhores tens a liberdade, A melhor liberdade, o puro affecto Que te elegeu entre as demais captivas, E de affagos te cobre! Flor do matto, Mais viçosa do que essas outras flores Nas estufas criadas e nas salas, Rosa agreste nascida ao pe do rio Oh! não me negues teu suave aroma! » Disse, e da riba os cubiçosos olhos Pelas aguas estende, emquanto os d’ella, Cobertos pelas palpebras medrosas Choram, — de gôsto e de vergonha a um tempo, Duas unicas lagrymas. O rio No seio as recebeu; comsigo as leva, Como gottas de chuva, indifferente Ao mal ou bem que lhe povoa a margem; Que assim a natureza, ingênua e docil Ás leis do Creador, perpétua segue Em seu mesmo caminho, e deixa ao homem Padecer e saber que sente e morre. Pela azulada esphera inda tres vezes A aurora as flores derramou, e a noite Vezes tres a mantilha escura e Jarga Mysteriosa cingiu. Na quarta aurora, Anjo das virgens, anjo de azas brancas, Pudor, onde te foste? A alva capella Murcha e desfeita pelo chão lançada, Coberta a face do rubor do pejo, Os olhos com as mãos velando, alçaste Para a Eterna Pureza o eterno voo. Quem ao tempo cortar pudera as azas Se deleitoso voa? Quem pudera Suster a hora abençoada e curta Da ventura que foge, e sobre a terra O gozo transportar da eternidade? Sabina viu correr tecidos de ouro Aquelles dias unicos na vida Toda enlevo e paixão, sincera e ardente N’esse primeiro amor d’alma que nasce E os olhos abre ao sol. Tu lhe dormias, Consciencia; razão, tu lhe fechavas A vista interior; e ella seguia Ao sabor dessas horas mal furtadas Ao captiveiro e á solidão, sem vel-o O fundo abysmo tenebroso e largo Que a separa do eleito de seus sonhos, Nem presentir a brevidade e a morte! E com que olhos de pena e de saudade Viu ir-se um dia pela estrada fora Octavio! Aos livros torna o moço alumno, Não cabisbaixo e triste, mas sereno E lepido. Com ella a alma não fica De seu joven senhor. Lagryma pura, Muito embora de escrava, pela face Lentamente lhe rola, e lentamente Toda se esvae hum pallido sorriso De mãe. Sabina é mãe; o sangue livre Gyra e palpita no captivo seio E lhe paga de sobra as dores cruas Da longa ausencia. Uma por uma, as horas Na solidão do campo hade contal-as, E suspirar pelo remoto dia Em que o veja de novo... Pouco importa, Se o materno sentir compensa os males. Riem-se d’ella as outras; é seu nome O assumpto do terreiro. Uma invejosa Acha-lhe uns certos modos singulares De senhora de engenho; um pagem moço, De cubiça e ciume devorado, Desfaz nas graças que em silêncio adora E comsigo medita uma vingança. Entre os parceiros, desfiando a palha Com que entrança um chapeu, solemnemente Um Cassange ancião refere aos outros Alguns casos que viu na mocidade De captivas amadas e orgulhosas, Castigadas do ceu por seus peccados, Mortas entre os grilhões do captiveiro. Assim fallavam elles; tal o aresto Da opinião. Quem evital-o pôde Entre os seus, por mais baixo que a fortuna Haja tecido o berço? Assim fallavam Os captivos do engenho; e porventura Sabina o soube e o perdoou. Volveram Apos os dias da saudade os dias Da esperança. Ora, quiz fortuna adversa Que o coração do moço, tão voluvel Como a brisa que passa ou como as ondas, Nos cabellos castanhos se prendesse De donzella gentil, com quem atara O laço conjugai: uma belleza Pura, como o primeiro olhar da vida, Uma flor desbrochada em seus quinze annos, Que o moço viu n’um dos serões da côrte E captivo adorou. Que ha de fazer-lhes Agora o pae? Abençoar os noivos E ao regaço trazel-os da familia. Oh longa foi, longa e ruidosa a festa Da fazenda, por onde alegre entrara Ò moço Octavio conduzindo a esposa. Viu-ós chegar Sabina, os olhos seccos Attonita e pasmada. Breve o instante Da vista foi. Rapido foge. A noite A seu trémulo pe não tolhe a marcha; Voa, não corre ao malfadado rio, Onde a voz escutou do amado moço. Ali chegando: « Morrerá commigo O fructo de meu seio; a luz da terra Seus olhos não verão; nem ar da vida Hade aspirar... » Ia a cair nas aguas, Quando subito horror lhe toma o corpo; Gelado o sangue e trémula recúa, Vacilla e tomba sobre a relva. A morte Em vão a chama e lhe fascina a vista; Vence o instincto de mãe. Erma e calada Ali ficou. Viu-a jazer a lua Largo espaço da noite ao pe das aguas, E ouviu-lhe o vento os tremulos suspiros; Nenhum deelles, comtudo, o disse á aurora. ULTIMA JORNADA Ils croyent les ames eternelles, et celles qui ont bien merité des dieux estre logees à l'endroict du ciel où le soleil se leve; les mauldictes, du costé de 1'occident. MONTAIGNE, Essais, Iiv, I C. XXX. I E ella se foi n’esse clarão primeiro, Aquella esposa misera e ditosa; E elle se foi o perfido guerreiro. Ella serena ia subindo e airosa, Elle á fôrça de incognitos pesares Dobra a cerviz rebelde e luctuosa. Iam assim, iam cortando os ares, Deixando em baixo as fertiles campinas, E as florestas, e os rios e os palmares. Oh! candidas lembranças infantinas! Oh! vida alegre da primeira taba! Que aurora vos tomou, aves divinas? Como um tronco do matto que desaba, Tudo cahiu; lei barbara e funesta: O mesmo instante cria e o mesmo acaba. De esperanças tamanhas o que resta? Uma história, uma lagryma chorada Sobre as últimas ramas da floresta. A flor do ipê a viu brotar maguada, E talvez a guardou no seio amigo, Como lembrança da estação passada. Agora os dous, deixando o bosque antigo, E as campinas, e os rios e os palmares, Para subir ao derradeiro abrigo, Iam cortando lentamente os ares. II E elle clamava á moça que ascendia: « — Oh! tu que a doce luz eterna levas, E vas viver na região do dia, « Ve como rasgam barbaras e sevas As tristezas mortaes ao que se afunda Quasi na fria região das trevas! « Olha esse sol que a creação inunda! Oh quanta luz, oh quanta doce vida Deixar-me vae na escuridão profunda! « Tu ao menos perdoa-me, querida! Suave esposa, que eu ganhei roubando, Perdida agora para mim, perdida! Ao maldito na morte, ao miserando, Que mais lhe resta em sua noite impura? Sequer allivio ao coração nefando. « Nos olhos trago a tua morte escura. Foi meu odio cruel que ha decepado, Ainda em flor, a tua formosura. « Mensageiro de paz, era enviado Um dia à taba de teus paes, um dia Que melhor fora se não fôra nado. Ali te vi; ali, entre a alegria De teus fortes guerreiros e donzellas, Teu doce rosto para mim sorria. « A mais bella eras tu entre as mais bellas, Como no ceu a creadora lua Vence na luz as vividas estrellas. « Gentil nasceste por desgraça tua; Eu covarde nasci; tu me seguiste; E ardeu a guerra desabrida e crua. «Um dia o rosto carregado e triste A taba de teus pães volveste, o rosto Com que alegre e feliz d’ali fugiste. « Tinha expirado o passageiro gosto, Ou o sangue dos teus, correndo a fio, Em teu seio outro affecto havia posto. « Mas, ou fosse remorso, ou ja fastio, Ias-te agora leve e descuidada, Como folha que o vento entrega ao rio. «Oh! corça minha fugitiva e amada! Anhangá te guiou por mau caminho, E a morte poz na minha mão fechada. « Feriu-me da vingança agudo espinho; E fiz-te padecer tão cruas penas, Que inda me doe o coração mesquinho. « Ao contemplar aquellas tristes scenas, Aa aves, de piedosas e sentidas, Chorando foram sacudindo as pennas. « Não viu o cedro ali correr perdidas Lagrymas de materno amado seio; Viu somente morrer a flor das vidas. « O que mais houve da floresta em meio O sinistro expectaculo, de certo Nenhum extranho contemplal-o veiu. « Mas, se alguem penetrasse no deserto Víra cahir pesadamente a massa Do corpo do guerreiro; e o craneo aberto, « Como se fôra derramada taça, Pela terra jazer, ali chamando O feio grasno do urubú que passa. « Em vão a arma do golpe irão buscando, Nenhuma houve; nem guerreiro ousado A tua morte ali foi castigando « Talvez, talvez Tupan, desconsolado, A pena contemplou maior do que era O delido; e de cólera tomado, « Ao mais alto dos Andes estendera O forte braço, e da arvore mais forte A setta e o arco vingador colhêra; « As pontas lhe dobrou, da mesma sorte Que o junco dobra, sussurrando o vento, E de um so tiro lhe enviou a morte. » Ia assim suspirando este lamento, Quando subitamente a voz lhe cala, Como se a dor lhe suffocára o alento. No ar se perdera a lastimosa falla, E o infeliz, condemnado à noite escura, Os dentes range e treme de encontral-a. Leva os olhos na viva aurora pura Em que ve penetrar, ja longe, aquella Doce, mimosa, virginal figura. Assim no campo a timida gazella Foge e se perde; assim no azul dos mares Some-se e morre fugidia vela. E nada mais se viu fluctuar nos ares; Que elle, bebendo as lagrymas que chora, Na noute entrou dos immortaes pesares, E ella de todo mergulhou na aurora. OS ORISES ( FRAGMENTO) I Nunca as armas christans, nem do Evangelho O lume creador, nem frecha extranha O valle penetraram dos guerreiros Que, entre serros altissimos sentado, Orgulhoso descança. Unico o vento, Quando as azas desprega impetuoso, Os campos varre e as selvas estremece, Um pouco leva, ao recatado asylo, Da poeira da terra. Acaso o raio Alguma vez nos asperos penedos, Com fogo escreve a assolação e o susto. Mas olhos de homem, não; mas braço affeito A pleitear na guerra, a abrir ousado Caminho entre a espessura da floresta, Não affrontára nunca os atrevidos Muros que a natureza a pino erguera Como eterna atalaia. II Um povo indocil Nessas brenhas achou ditosa patria, Livre, como o rebelde pensamento Que ímpia fôrça não doma, e airoso volve Inteiro á eternidade. Guerra longa E porfiosa os adestrou nas armas; Rudes são nos costumes mais que quantos Ha criado este sol, quantos na guerra O tacape meneiam vigoroso. So nas festas de plumas se ataviam Ou na pelle do tigre o corpo envolvem, Que o sol queimou, que a rispidez do inverno Endureceu como os robustos troncos Que so verga o tufão. Tecer não usam A preguiçosa rede em que se embale O corpo fatigado do guerreiro, Nem as tabas erguer como outros povos; Mas á sombra das árvores antigas, Ou nas medonhas cavas dos rochedos, No duro chão, sobre mofinas hervas, Acham somno de paz, jamais tolhido De ambições, de remorsos. Indomavel Essa terra não é; prompto lhes volve O semeado pão; vecejam flores Com que a rudez tempera a extensa matta, E o fructo pende dos curvados ramos Do arvoredo. Harta messe do homem rude, Que tem na ponta da farpada setta O pesado tapir, que lhes não foge, Nhandu, que à flor de terra inquieta voa, Sobejo pasto, e deleitoso e puro Da selvagem nação. Nunca vaidade De seu nome souberam, mas a fôrça, Mas a destreza do provado braço Os foros são do imperio a que hão sugeito Todo aquelle sertão. Murmuram longe, Contra elles, as gentes debelladas Vingança e odio. Os echos repetiram Muita vez a pocema de combate; Nuvens e nuvens de afiadas settas Todo o ar cobriram; mas o extremo grito Da victoria final so delles fôra. III Despem armas de guerra; a paz os chama E o seu barbaro rito. Alveja perto O dia em que primeiro a voz levante A ave sagrada, o nume de seus bosques, Que de agouro chamamos, Cupuaba Melancholica e feia, mas ditosa E benefica entre elles. Não se curvam Ao nome de Tupan, que a noite e o dia No ceu reparte, e ao rispido guerreiro Guarda os sonhos do Ybake e eternas dansas. Seu deus unico é ella, a bemfaseja Ave amada, que os campos despovoa Das venenosas serpes, — viva imagem Do tempo vingador, lento e seguro, Que as calúmnias, a inveja e o odio apagam, E ao conspurcado nome o alvor primeiro Restitue. Uso é delles celebrar-lhe Com festas o primeiro e o extremo canto. IV Terminára o cruento sacrifício. Ensopa o chão da dilatada selva Sangue de caitetus, que o pio intento Largos mezes cevou; barbara usança Tambem de alheios climas. As donzellas, Mal sahidas da infancia, inda embebidas Nos ledos jogos de primeira edade, Ao brutal sacrifício... Oh! cala, esconde, Labio christão, mais barbaro costume. V Agora a dansa, agora alegres vinhos, Trez dias ha que de inimigos povos Esquecidos os trazem. Sobre um tronco Sentado o chefe, carregado o rosto, Inquieto o olhar, o gesto pensativo, Como alheio ao praser, de quando em quando Á multidão dos seus a vista alonga, E um rugido no peito lhe murmura. Quem a fronte enrugara do guerreiro? Inimigo não foi, que o medo nunca O sangue lhe esfriou, nem vão receio Da batalha futura o desenlace Lhe fez incerto. Intrepidos como elle Poucos vira este ceu. Seu forte braço, Quando vibra o tacape nas pelejas, De rasgados cadaveres o campo Inteiro alastra, e ao peito do inimigo, Como um grito de morte a voz lhe soa. Nem so nas gentes o terror infunde; É fama que em seus olhos côr da noite, Inda creança, um genio lhe deixára Mysteriosa luz, que as forças quebra Da onça e do jaguar. Certo é que um dia (A tribu o conta, e seus pagés o juram) Um dia em que, do filho acompanhado, Ia costeando a orla da floresta, Um possante jaguar, escancarando A bocca, em frente do famoso chefe Estacara. De longe um grito surdo Solta o joven guerreiro; logo a setta Embebe no arco, e o tiro sibilante Ia ja disparar, quando de assombro A mão lhe afrouxa a distendida corda. A fera o collo timida abatera, Sem ousar despregar os julvos olhos Dos olhos do inimigo. Ureth ousado Arco e frechas atira para longe, A massa empunha, e lento, e lento avança; Tres vezes volteando a arma terrivel, Enfim despede o golpe; um grito apenas. Unico atroa o solitario campo, E a fera jaz, e o vencedor sôbre ella. NOTAS Nota A Potyra…………………………………………………………………………………… pag. 5 Simão de Vasconcellos não declara o nome da india, cuja acção refere em sua Chronica. Achei que não foi o caso desta tamoya o unico em que tão galhardamente se manifestou a fidelidade conjugal e christã. O padre Anchieta, na carta escripta ao padre-mestre Laynez, a 16 de Abril do 1563, menciona o exemplo de uma india, mulher de um colono, a qual, depois de lh’o matarem os indios, cahiu em poder destes, cujo Principal a quiz violentar. Ella resistiu e desapareceu. Os indios fizeram correr a voz de que se matara; Anchieta suppõe que elles mesmos lhe tiraram a vida. Caso analogo é referido pelo padre João Daniel (Thesouro descoberto no Amazonas, p. 2, cap. III); essa chamava-se Esperança e era da aldêa de Cabu. Nota B A nascente cidade brasileira ……………………………………………………………..pag. 7 A villa de S. Vicente. Nota C Conduz nos braços trêmulos a moça Que renegou Tupan ……………………………………………………………………....pag. 8 Tinham os indios a religião monotheista que a tradicção lhes attribue? Nega-o positivamente o Sr. Dr. Couto de Magalhães em seu excellente estudo acerca dos selvagens, asseverando nunca ter encontrado a palavra Tupan nas tribus que frequentou, e ser inadmissivel a ideia de tal deus, no estado rudimentario dos nossos aborigenes. O Sr. Dr. Magalhães restitue aos selvagens a theogonia verdadeira. Não integralmente, mas so em relação ao sol e á lua (Goaracy e Jacy), acho noticia della no Thesouro do padre João Daniel (citado na nota A); e o que então faziam os indios, quando apparecia a lua nova, me serviu á composição que vae incluida neste livro ( pag. 155 ). Sem embargo das razões allegadas pelo Sr. Dr. Magalhães, que todas são de incontestavel procedencia, conservei Tupan nos versos que ora dou a lume; fil-o por ir com as tradicções litterarias que achei, tradicções que nada valem no terreno da investigação scientifica, mas que tem por si o serem acceitas e haverem adquirido um como direito de cidade. Nota D Quando ferve o cauim ……………………………………………………………….... pag. 22 É ocioso explicar em notas o sentido desta palavra e de outras, como pocema, mussurana, tangapema, kanitar, com as quaes todo o leitor brasileiro está ja familiarisado, graças ao uso que dellas teem feito poetas e prosadores. É tambem desnecessario fundamentar com trechos das chronicas a scena do sacrifício do prisioneiro, na estancia XI; são cousas comesinhas. Nota E As azas colhe Guanumby, e o aguçado bico embebe No tronco, onde repousa adormecido Até que volte uma estação de flores………………………………………………….... pag. 26 Simão de Vasconcellos (Not. do Bras. liv. 2.°) citando Maregraff e outros autores, conta, como verdadeira, a fabula a que alludem estes versos. Aproveitou-se d’ali uma comparação poetica: nada mais. Nota F Cova funda Da terra, mãe commum ………………………………………………………………...pag. 30 Veja G. DIAS, Ult. Cant., pag. 159: Quando o meu corpo Á terra, mãe commum… Nota G Inutil foges: gavião te espreita ………………………………………………………….pag. 37 Anagê, na lingua geral, quer dizer gavião. Nota H Da não sabido bardo Estes gemidos são……………………………………………………………………….pag. 44 Não sabido, ainda hoje o digo sem armar à contestação dos benevolos. Mas havia uma razão mais para escrever aquellas palavras quando compuz este pequeno poema; destinava-o á publicação anonyma, o que se verificou nas coluamnas do Jornal do Commercio era Junho e Agosto de 1870, tendo por assignatura um simples Y. Nota I Panenioxe é guerreiro Da velha, dura nação …………………………………………………………………...pag. 51 Tratando de descobrir a significação de Panenioxe, conforme escreve Rodrigues Prado, apenas achei no escasso vocabulario guaycurú, que vem em Ayres do Casal, a palavra nioxe traduzida por jacaré. Não pude accertar com a significação do primeiro membro da palavra, pane; ha talvez relação entre elle e o nome do rio Yppané. Nota J Cayavaba ha ja; sentido A sua lança e facão ……………………………………………………………………..pag. 51 « Estas duas armas(lançae facão) tem sido tomadas aos portuguezes e hespanhóes, e algumas compradas a estes que inadvertidamente lh’as tem vendido » (RODR. PRADO, Hist. dos Ind. Cav). Nota K Niani ao melhor delles Não dera o seu coração …………………………………………………………………pag. 52 Nanine é o nome transcripto na Hist. dos Ind. Cav. Na lingua geral temos niaani, que Martius traduz por infans. Esta fórma pareceu mais graciosa; e não duvidei adoptal-a, desde que o meu distincto amigo, Dr. Escragnolle Taunay, me asseverou que, no dialecto guaycurú, de que elle ha feito estudos, niani exprime a ideia de moça franzina, delicada, não lhe parecendo que exista a fórma empregada na monographia de Rodrigues Prado. Nota L Limpo sangue tem o noivo, Que é filho do capitão………………………………………………………………….. pag. 52 Os Guaycurús dividem-se em nobres, plebeus ou soldados, e captivos. Do proprio texto que me serviu para ésta composição se ve até que ponto repugna aos nobres toda a alliança com pessoas de condição inferior. A este proposito direi a anedocta que me foi referida por um distincto official da nossa armada, o capitão de fragata Sr. Henrique Raptista, que em 1857 esteve no Paraguay commandando o Japorá, entre o forte Coimbra e o estabelecimento Sebastopol. Ia muita vez a bordo do Japorá um chefe guaycurú, Capitãosinho, muito amigo da nossa officialidade. Tinha elle uma irmã, que outro chefe guaycurú, Lapagata, cortejava e desejava receber por espôsa. Lapagata recebera o titulo de capitão das mãos do presidente de Matto-Grosso. Oppunha-se com todas as forças ao enlaceo Capitãosinho. Um dia, perguntando-lhe o Sr. H. Baptista porque motivo não consentia no casamento da irmã com Lapagata, respondeu o altivo Guaycurú: — Opponho-me, porque eu sou capitão por herança de meu pae, que ja o era por herança do pae delle. Lapagata é capitão de papel. Nota M A bocayuva tres vezes No tronco amadureceu ………………………………………………………………….pag. 55 As bocayuvas servem de alimento aos Guaycurús; nas proximidades de sazonarem os cocos fazem elles grandes festas. (Veja CASAL e PRADO ). Nota N Collar de prata não usa Como usava de trazer; Pulseiras de finas contas Todas as veiu a romper ………………………………………………………………....pag. 57 Taes eram os adornos das mulheres guaycurús. (Veja PRADO, CASAL e D’AZARA). Nota O Pintam-n’a de vivas cores E lhe lançam ura collar …………………………………………………………………pag. 61 « As moças ricas vão enfeitadas, como se ornariam para o proprio noivado. » (AYRES DO CASAL, Corog., 280 ). Nota P Aguas santas De Cedron! Ja talvez o sol que passa, E ve nascer e ve morrer as flores. Todas no leito vos seccou ……………………………………………………………....pag. 66 Cedron, como se sabe, é o nome da torrente que atravessa o valle de Josaphat. Le-se em Chateaubriand que durante uma parte do anno fica sêcca; por occasião de temporaes ou nas primaveras chuvosas róla umas aguas avermelhadas. Nota Q Oleo que a unge, Finas telas que a vestem, atavios De ouro e prata que o collo e os braços lhe ornam, E a flor de trigo e mel de que se nutre, Sonhos, são sonhos do propheta ………………………………………………………pag. 76 Allude a um trecho do propheta Daniel: « 9 — É lavei-te na agua, e alimpei-te do teu sangue: e te ungi com um oleo: « 13 — E foste enfeitada de ouro e prata, e vestida de linho e de roupas bordadas, e de diversas cores: nutriste-te da farinha e de mel e de azeite, e foste mui aformoseada em extremo. » ( DANIEL, XV.). Nota R A delicada virgem Que entre os rios nasceu ………………………………………………………………..pag. 95 Rebecca, filha da Mesopotamia. Nota S O hardido Bento……………………………………………………………………….. pag. 99 Bento do Amaral Gurgel, que dirigiu a companhia de estudantes por occasião daquella e da seguinte invasão, em 1711. Nota T Israel tem vertido Um mar de sangue. Embora I á tona delle Verdeja a nossa fe ……………………………………………………………………..pag. 113 Angela pratica o inverso daquelle conselho attribuido aos rabbinos de Constantinopla, respondendo aos judeus de Hespanha, isto é, que baptisassem os corpos, conservando as almas firmes na Lei. Angela conserva o baptismo da alma, e entrega o corpo ao supplicio como se fosse verdadeiramente judeu. Nega a fe com os labios, confessando-a no coração: maneira de conciliar o sentimento christão e a piedade filial. Era mais orthodoxo, de certo, confessar publicamente a fe, sem nenhum respeito humano; cumpre observar, porém, que isto é uma composição poetica, não um compendio de doutrinas moraes. Nota U José Bonifacio………………………………………………………………………....pag. 123 Compuz estes versos por occasião de ser inaugurada a estatua do patriarcha da Independencia, em 7 de Setembro de 1873. Pediu-m os o Sr.Commendador J. Norberto de S.S., illustrado vice-presidente do Instituto Historico e membro da commissão que promovêra aquelle monumento. Não podia haver mais agradavel tarefa do que esta de prestar homenagem ao honrado cidadão, cujo nome a história conserva ligado ao do Fundador do Imperio. Nota V E Anhangá Tez contrarios ……………………………………………………………..pag. 134 A verdadeira pronúncia, desta palavra é an-hanga. E outro caso (Veja a nota C) em que fui antes com a maneira corrente e commum na poesia. Nota X Cantiga do Rosto Branco ……………………………………………………………....pag. l31 Não é original esta composição; o original é propriamente indigena. Pertence á tribu dos Mulcogulges, e foi traduzida da lingua delles por Chateaubriand ( Voy. dans 1'Amer. ). Tinham aquelles selvagens fama de poetas e musicos, como os nossos Tamoyos. « Na terceira noite da festa do milho, lê-se no livro de Chateaubriaud, reunem-se no logar do conselho; e disputam o premio do canto. O prêmio ó conferido pelo chefe e por maioria de votos: é um ramo de carvalho verde. Concorrem as mulheres tambem, e algumas têem sahido vencedoras; uma de suas odés ficou celebre. » A ode celebre é a composição que trasladei, para a nossa lingua. O titulo na traducção em prosa de Chateaubriand é — Chanson de la chair blanche. Sôbre o talento das mulheres para a poesia, tambem o tivemos em tribus nossas. Veja Fernão Cardim, Narrativa uma viagem e missão. Nota Y Os semeadores ………………………………………………………………………...pag. 149 II y aurait une fort grande injustice à juger les jesuites du seiziéme siècle et leurs travaux, d’après les idèes que peut inspirer le système suivi dans les missions. Lá on peut voir des projets ambitieuy s’allier à des vues habiles: dans les premiers travaux executes par les péresde la compagnie, au Brésil, tout fut desinteresse; et au besoin, le récit de leurs souffrances pourrait le prouver (F. DENIS, Le Brésil). Nota Z Lua nova ……………………………………………………………………………....pag. 155 Veja nota C « … E na verdade tem occasiões em que festejam muito a lua, como quando apparece nova; porque então sahem de suas choupanas, dão saltos de prazer, saudam-n’a e dão-lhe as boas vindas. (JOÃO DANIEL Thes. descob. no Amaz., part. 2.ª,cap. X). Nota AA Ultima jornada ………………………………………………………………………...pag. 173 Não me recordo de haver lido nos velhos escriptos sobre os nossos aborigenes a crença que Montaigne lhes attribue acerca das almas boas e más. Este grande moralista tinha informações geralmente exactas a respeito dos indios; e a crença de que tratamos traz certamente um ar de verosmilhança. Não foi so isso o que me induziu a fazer taes versos; mas tambem o que achei poetico e gracioso na abusão. Nota BB Os orizes ……………………………………………………………………………... pag. 183 Tinha planeado uma composição de dimensões maiores, e não a levei a cabo, por intervirem outros trabalhos, que de todo me divertiram a attenção. Foi o nosso eminente poeta e litterato Parto Alegre, hoje barão de Santo Angelo, quem, ha cêrca de 4 annos, me chamou a attenção para a relação de Menterroyo Mascarenhas, Os Orizes conquistados, que vem na Rev. do lnst. Hist. , t. VIII. A asperesa dos costumes daquelle povo, habitante do sertão da Bahia, cerca de duzentas legoas da capital, sua rara energia, as circumstancias singulares da conquista e conversão da tribu, eram certamente um quadro excellente para uma composição poetica. Ficou em fragmento, que ainda assim não quiz excluir do livro. Nota CC A ave sagrada, o nume de seus bosques, Que de agouro chamamos, Cupuaba, Melancholica e feia, mas ditosa E benéfica entre elles ………………………………………………………………….pag. 188 « Lastimosamente cegos de discurso, reconhecem e adoram por deus a coruja, chamada na sua linguagem Oitipô-cupuaaba; e o motivo de sua adoração consiste no beneficio que recebem desta ave, que, naturalmente inimiga das cobras, numerosissimas naquelle paiz, as espia nos mattos, e lhes tira a vida. » ( J. F. MONTERROYO MASCARENHAS, Os Orizes conquistados ). INDICE Advertencia ……………………………………………………………………………....pag.V Potyra ………………………………………………………………………………………... 3 Niani ……………………………………………………………………………………….. 47 A Christã Nova ……………………………………………………………………………....63 José Bonifácio ……………………………………………………………………………...121 A visão de Jaciuca ………………………………………………………………………….127 Cantiga do rosto branco …………………………………………………………………….137 A Gonçalves Dias …………………………………………………………………………..141 Os Semeadores ……………………………………………………………………………..149 A flor de embiroçu ………………………………………………………………………....151 Lua Nova …………………………………………………………………………………..155 Sabina ……………………………………………………………………………………....159 Ultima jornada ……………………………………………………………………………...173 Os Orizes …………………………………………………………………………………...183 NOTAS ……………………………………………………………………………………..197 ERRATA Pag. linha Erro emenda 44 1ª XVII XVI 160 4ª como com