História da Sociabilidade Literária

Em dedicatórias impressas e manuscritas, a Machadiana da BBM traz um importante testemunho das relações profissionais e de amizade que o escritor cultivou e atestam sua forte inserção na vida intelectual do Brasil de seu tempo.

Além de autor de poemas, peças teatrais, crítica literária, crônicas, contos e romances, Machado de Assis atuou como tipógrafo, revisor, repórter, cronista, censor dramático, bibliotecário e trabalhou mais de 40 anos no funcionalismo público.

Apesar da fama de homem discreto e retraído, participou ao longo de toda a vida de várias associações culturais e literárias, a principal delas a Academia Brasileira de Letras, da qual foi fundador e presidente vitalício. 

Desse modo, o escritor se inseriu em diversos campos da vida pública, construindo uma rede de relações que incluía escritores, artistas, jornalistas, políticos, altos funcionários do Império e, mais tarde, da República. 

A Machadiana da BBM registra algumas dessas relações, por meio de autógrafos e dedicatórias encontradas em vários dos exemplares, e também por marcas deixadas por antigos proprietários dos livros. Em alguns desses autógrafos, é possível até mesmo inferir o grau de intimidade entre o escritor e outras personalidades, por meio das formas de tratamento empregadas nas dedicatórias.

Autógrafos de Machado de Assis

Dentre os vários aspectos que tornam a Machadiana da BBM um importante testemunho das relações profissionais e de amizade de Machado de Assis, destacam-se aqui alguns exemplos:

Dedicatória autógrafa ao amigo Salvador de Mendonça, diplomata e acadêmico, na folha de anterrosto de Desencantos (1861), seu primeiro livro. A amizade entre os dois teve início em 1857 e durou até o final da vida de Machado.

Dedicatória autógrafa para José Maria Latino Coelho, político, escritor e jornalista português, em exemplar de Falenas (1870). A deferência do jovem escritor brasileiro com o escritor português 14 anos mais velho é um testemunho do interesse de Machado de Assis por Portugal e pelos portugueses, e também por sua estreita convivência com emigrados lusitanos no Rio de Janeiro, dentre eles alguns dos seus melhores amigos de juventude, tais como Francisco Ramos Paz, Ernesto Cibrão, Francisco Gonçalves Braga e Faustino Xavier de Novais.

Dedicatória autógrafa no exemplar da peça Tu só, tu, puro amor… comédia (1881) ao ator português Furtado Coelho, que interpretou Camões na peça escrita por Machado de Assis em comemoração do tricentenário da morte do autor português.

Dedicatória de Machado de Assis em exemplar da obra Tu só, tu, puro amor… comédia (1881) [Edição Fac-símile], endereçado à Biblioteca Nacional.

Dedicatória autógrafa ao amigo Joaquim Nabuco na folha de anterrosto de Tu só, tu, puro amor… comédia (1881). O escritor e diplomata foi responsável pelo elogio a Luís de Camões feito no evento de comemoração do tricentenário de sua morte, para o qual Machado escreveu a peça.

Dedicatória autógrafa ao advogado e político Rodolfo Dantas, na folha de anterrosto de Histórias sem data (1884). Machado e Dantas conviveram nos concertos do Clube Beethoven durante a década de 1880.

Dedicatória autógrafa a Amélia Cavalcanti, a viscondessa de Cavalcanti, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e esposa de Diogo Velho Cavalcanti de Albuquerque, importante político do Império, na folha de anterrosto de Quincas Borba (1891).

Dedicatória autógrafa ao amigo José Veríssimo, acadêmico e crítico literário, na folha de rosto do Memorial de Aires (1908). Esse foi o exemplar lido e anotado por Veríssimo para a redação de uma das primeiras críticas sobre o romance, publicada no jornal Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, em 3 de agosto de 1908.

Poemas oferecidos

Machado de Assis dedicou muitos escritos a seus contemporâneos, especialmente poemas. Os exemplares de Crisálidas (1864) e Falenas (1870), por exemplo, são repletos de poesias dedicadas a figuras importantes, que fizeram parte da vida do autor. Com as dedicatórias, o jovem escritor associava seu nome a pessoas de prestígio, buscando também respaldo para suas primeiras publicações.

Dedicatórias em Crisálidas

  • O primeiro livro de poesias do autor vem acompanhado de um prefácio elogioso do Dr. Caetano Filgueiras, advogado, poeta e amigo do jovem Machado. No escritório de Filgueiras encontrava-se o chamado “Grupo dos Cinco”, pequena reunião literária que envolvia Caetano Filgueiras, Casimiro de Abreu, Francisco Gonçalves Braga, José Joaquim de Macedo e Machado de Assis, além de às vezes congregar também Augusto Emílio Zaluar e José Alexandre Teixeira de Melo.
  • Poema “Aspiração” dedicado a Faustino Xavier de Novais, poeta, amigo e irmão de Carolina Xavier de Novais, com quem o escritor se casaria em 1869.
  • Poema “Embirração”, escrito por Xavier de Novais em “estilo faceto” — nas palavras do próprio Machado —, como resposta ao poema “Aspiração” e incorporado ao livro.
  • Poema “As rosas” dedicado a Caetano Filgueiras, escritor do prefácio que acompanha o livro. Nas notas do exemplar, Machado explica que o poema faz alusão a um livro de mesmo nome do poema que estava sendo escrito por Caetano Filgueiras na época.
  • Poema “Os dous horizontes” dedicado ao ator teatral carioca Manoel Joaquim Ferreira Guimarães, que teve sua peça de estreia Cenas da vida do Rio de Janeiro, cujo texto teve colaboração anônima de Machado de Assis.
  • “Monte Alverne”, poema dedicado ao padre José da Silveira Sarmento, com quem Machado teve aulas de francês e latim em 1858.
  • Carta a Caetano Filgueiras anexada ao livro. Machado agradece ao amigo a amizade e a “crítica benevolente” à obra e o coloca como “cúmplice” da publicação do livro, o que evidencia a busca de respaldo do poeta iniciante.

Dedicatórias em Falenas

  • Poema “Visão”, dedicado a Luiz de Alvarenga Peixoto, jornalista e admirador da obra de Machado. O poema seria uma retribuição de Machado ao poema “O gênio”, escrito por Alvarenga em sua homenagem e publicado na Semana Ilustrada de 10 de janeiro de 1869.
  • Poema “Menina e moça”, com dedicatória a Ernesto Cibrão, poeta e amigo de Machado, que respondeu ao autor com o poema “Flor e fruto”, anexado nas notas ao final do exemplar.
  • Poema “Pássaros”, com menção de escrita de versos no álbum de Manuel de Araújo. Manuel era escritor, político e pintor, membro da Arcádia Fluminense (sociedade entre intelectuais para promover eventos artístico-literários), além de amigo comum de Machado de Assis e de Faustino Xavier de Novais. 
  • “Uma ode de Anacreonte”, com dedicatória a Manuel de Melo, amigo de Machado. Manuel nasceu em Portugal, mas veio para o Brasil muito cedo para tentar a vida no comércio. Foi contador, bibliotecário e secretário do Banco Rural e Hipotecário. Melo organizou compilados de poemas portugueses com seus irmãos Joaquim e José, publicou um livro em vida e escreveu muitos artigos para jornais e revistas. Em parceria com Joaquim, seu irmão, promoveu saraus e representações teatrais de forma amadora em uma casa na rua da Quitanda, n°6, onde também interpretou  um dos personagens de Quase ministro, peça escrita por Machado de Assis para ser especialmente encenada neste local. Manuel de Melo foi um dos fundadores da Arcádia Fluminense e sócio do Clube Beethoven (ambiente muito reconhecido por apresentações de música clássica).
  • Poema “Pálida Elvira”, com dedicatória ao bibliófilo português Francisco Ramos Paz. O bibliófilo reuniu uma das maiores bibliotecas do Brasil, país para o qual migrou aos doze anos. O português conheceu Machado quando colaboraram para o jornal O Paraíba, de Petrópolis, lugar no qual construíram uma amizade que perdurou muitos anos, chegando até mesmo a, no início dos anos de 1860, morarem juntos em um sobrado na rua de Matacavalos. Muitas vezes, Paz ajudou seu amigo financeira e profissionalmente, já que serviu de intermediário para Machado entrar como colaborador na Gazeta de Notícias. Paz forneceu muito material para Alfredo Pujol, quando este pretendia realizar conferências sobre Machado, o que comprova a intimidade de Francisco Ramos Paz com Machado de Assis.

Dedicatórias em Ocidentais

  • Poema “A Arthur de Oliveira, enfermo”, dedicado ao cronista, poeta e professor Arthur de Oliveira (1851-1882), patrono da cadeira nº 3 da Academia Brasileira de Letras. Frequentador dos círculos literários franceses e grande amigo de Théophile Gautier e sua irmã, Arthur de Oliveira foi muito exaltado em sua época pela introdução do Parnasianismo no Brasil. À época da publicação de Ocidentais, livro que inclui este poema, Arthur havia falecido há muitos anos, daí a homenagem à sua memória.
  • Poema “A Felício dos Santos”, dedicado a Joaquim Felício dos Santos, escritor mineiro de grande prestígio em sua época por sua obra literária, em que se destaca Memórias do Distrito Diamantino (1868). Foi senador e deputado na Corte, onde se tornou amigo de Machado. 
  • “A uma senhora que me pediu versos” é um poema dedicado a uma senhora anônima. As dedicatórias são usadas por Machado de Assis para homenagear personalidades de sua admiração e pessoas do seu convívio.

Uma dedicatória extravagante

Um caso bastante curioso e extravagante das dedicatórias feitas por Machado de Assis é o que ocorre na primeira edição em livro das Memórias póstumas de Brás Cubas (1881). Nele, o defunto-autor Brás Cubas dedica suas memórias póstumas ao “verme que primeiro roeu” as suas frias carnes. Ao invés de oferecer seus escritos a alguma figura importante que respaldasse seu nome, como é de praxe e como ocorria em seus primeiros textos, o escritor, por meio de Brás Cubas, faz troça desse gênero textual, destinando seus livros a algo tão ínfimo como um verme.