História do Colecionismo

O conjunto das primeiras edições dos livros de Machado de Assis pertencentes à BBM é resultado de uma prática fundamental para a preservação da memória cultural — o colecionismo —, à qual Guita e José Mindlin e Rubens Borba de Moraes dedicaram-se ao longo de décadas.

Em mais de 80 anos de criterioso garimpo em sebos, livrarias e leilões do mundo todo, José Mindlin reuniu uma das maiores e mais importantes bibliotecas particulares do país, com aproximadamente 60 mil volumes de e sobre o Brasil – a coleção Brasiliana, doada à Universidade de São Paulo em 2006.

Assim, os exemplares aqui apresentados podem e devem ser vistos, também, como objetos de coleção, que carregam consigo marcas da individualidade do colecionador (como os ex-libris e as preferências de encadernação, por exemplo) e também um conjunto de outros fatores que os tornam singulares: dedicatórias autógrafas, anotações manuscritas, encadernações muito bem cuidadas e até luxuosas.

Tudo isso contribui para o valor simbólico, e também material, dos exemplares dessas primeiras edições de Machado de Assis.

Ex-Libris

O termo ex-libris, que significa literalmente “dos livros de”, ou seja “da biblioteca de”, é uma marca indicativa da posse de um livro. Ele se caracteriza por uma espécie de gravura anexada ao início de um exemplar que tem por função principal marcar a propriedade de quem o possui ou, como é o caso da coleção apresentada, daqueles que o possuíram um dia. Praticamente todos os livros da coleção da BBM carregam consigo o ex-libris de José Mindlin, e pouco menos da metade possui também o do bibliófilo Rubens Borba de Moraes, que doou em testamento sua coleção ao amigo Mindlin. Há, ainda, um terceiro ex-libris presente na coleção: o de Amélia Cavalcanti, a Viscondessa de Cavalcanti, a quem Machado de Assis dedicou um exemplar de Quincas Borba.

Pode-se compreender o ex-libris como um modo de expressão da individualidade de quem coleciona, seus valores e predileções. O de José Mindlin, por exemplo, traz a frase de Montaigne: Je ne fay rien sans gayeté – “Nada faço sem alegria”. Ele é também um registro de memória daquele exemplar em sua materialidade, ou seja, um meio pelo qual se pode estudar o percurso de certo exemplar por diferentes colecionadores e instituições.

Encadernações

O livro, para além do interesse do texto que veicula, foi sempre objeto de atenção por suas qualidades materiais. Nesse sentido, ele é também um símbolo de status, erudição e luxo, distinguindo quem o possui.

Os exemplares dos livros de Machado de Assis reunidos na BBM revelam vários desses recursos de valorização e singularização. Alguns exemplares apresentam douramento no corte, como o de A mão e a luva (1874) e o de Várias histórias (1896)

Vários têm encadernação em meio couro ou em pleno couro (nas cores verde, marrom, preto, azul, bege e vinho), com o título em dourado na lombada, e, por vezes, também na capa. Muitos apresentam folhas de guarda com papel marmorizado. 

Para alguns exemplares da coleção foram produzidas luvas, para maior proteção e preservação, como é o caso do exemplar de Tu só, tu, puro amor (1881), como se pode ver acima. 

Todos esses elementos fazem de cada exemplar um objeto singular, com grande apelo visual e grande valor material e simbólico.

As marcas dos livreiros

Na Machadiana da BBM, observam-se alguns exemplos de selos e timbres de livrarias que comercializaram os exemplares e de encadernadoras contratadas para encadernar as obras. A partir deles, torna-se possível saber mais sobre a circulação desses livros e recuperar informações sobre a cultura livresca no Brasil dos séculos XIX e XX. Alguns estabelecimentos, como a “Livraria J. Leite”, realizavam também o trabalho de encadernação. 

Exemplares, como o de Dom Casmurro (1889) e o de Memórias póstumas de Brás Cubas (1881), estampam na parte inferior das guardas o timbre da encadernação “Marti” ou “Marti-S.Paulo”. 

Outra forma de apresentar a encadernadora era o selo no canto superior esquerdo das guardas dos livros, como em O caminho da porta (1863), selo “Livraria J. Leite”; Histórias da meia-noite (1873), selo “J. W. Kolckmann” e selo de “A Encadernadora S. A.”, em Crisálidas (1864). Já em Esaú e Jacó (1904), há o diferencial do selo em papel brilhante para estampar a livraria da “Casa Garraux”.

Elementos únicos

A Machadiana da BBM singulariza-se também por alguns “achados” em seus exemplares: