História Gráfica

Publicadas entre 1861 e 1908 no Rio de Janeiro e em Paris, as primeiras edições de Machado de Assis trazem registros da emergente indústria gráfica no Brasil e marcas das práticas e modismos da indústria gráfica internacional, que tinham a França como grande referência.

Além de serem testemunhos do intenso trânsito de impressos através do Atlântico, os livros apresentam uma enorme variedade de famílias tipográficas, formando um conjunto eclético, por vezes adornado com capitulares, vinhetas e outros tipos de ornamentos.

Alguns exemplares trazem também erros, que escaparam aos olhos dos tipógrafos.

Essas características dos exemplares contribuem para um entendimento da cultura livresca da segunda metade do século XIX e início do século XX, conferindo à Machadiana da BBM um grande valor histórico e simbólico.

Tipografia

A tipografia consiste na prática de criação e composição de diversas etapas das produções gráficas, que vão desde a elaboração dos caracteres até a impressão de textos. A princípio, a tipografia dizia respeito apenas à impressão dos tipos (os caracteres), e para isso eram usados moldes de ferro de cada letra ou símbolo a ser impresso no papel.

No século XIX, as tipografias eram espaços de produção de jornais, livros e outros tipos de impressos que atualmente são de competência das gráficas. Não raro, eram responsáveis tanto pela elaboração como pela divulgação desses materiais. Muitas vezes cabia ao tipógrafo fazer com que os leitores tivessem acesso, da maneira mais fiel possível, ao texto manuscrito pelo autor.

Os  livros de Machado de Assis foram publicados por diversas casas tipográficas que contribuíram para a consolidação do mercado de impressos no Brasil, entre elas a Tipografia de Francisco de Paula Brito e a Lombaerts & Co.

Uma atividade incipiente

Várias primeiras edições de livros de Machado de Assis foram impressas na França, onde a atividade tipográfica estava bastante consolidada. Essa prática era comum, pois barateava o custo da impressão e, muitas vezes, garantia melhor qualidade do impresso. Nos livros publicados no Brasil, dada a pouca tradição tipográfica no país, encontra-se muitas vezes uma grande variedade de tipos em uma mesma impressão, o que possivelmente se deva  à escassez e ao alto custo desses materiais. O exemplar de A mão e a luva (1874), publicado pela tipografia do jornal O Globo, traz um exemplo disso ao estampar nas folhas de rosto e anterrosto o título do livro gravado em duas fontes tipográficas completamente distintas.

Variações e ecletismo

A produção de livros impressos no século XIX envolvia um cuidadoso e vagaroso tempo de preparação, pois compreendia uma série de processos manuais. Na época, a tecnologia que permitia a produção gráfica para suportes escritos, como livros e jornais, era a prensa tipográfica, que consistia no enfileiramento em uma chapa de diversos carimbos de caracteres de um texto — chamados tipos —, que eram molhados em tinta e em seguida comprimidos contra a página a ser registrada com o texto. Esse método sofisticou-se com o tempo, e a composição ganhou mais apuro, com o emprego de uma grande variedade de caracteres.

Nos exemplares das primeiras edições de Machado de Assis, é possível observar a evolução da dinâmica da produção gráfica entre a segunda metade do século XIX e início do século XX. Nas primeiras edições dos primeiros romances, as folhas de rosto trazem os títulos em fontes mais retas, com traços uniformes e concisos, como em A mão e a luva (1874) e Helena (1876). Já nas edições dos últimos romances, como Esaú e Jacó (1904) e Memorial de Aires (1908), há uma elaboração maior nas fontes escolhidas.  Estas apresentam maior complexidade e riqueza de detalhes, como serifas (traço que remata cada haste de determinada letra) e traços modulados (que variam a espessura em cada parte do caractere), seguindo as novas tendências da virada do século.

Erros e deslizes

Alguns erros aparecem em exemplares das primeiras edições de Machado de Assis, apesar de todo o cuidado do próprio autor, e também dos seus editores e tipógrafos. Há desde erros mais simples, como alterações de tempos verbais, até problemas graves, como a troca de uma letra que pode deturpar completamente o sentido de uma frase. 

Alguns desses erros são apresentados em erratas, publicadas no próprio volume. Na Machadiana da BBM, os exemplares de Histórias da meia-noite (1873), Helena (1876) e Papéis avulsos (1882) trazem erratas nas últimas páginas. Em Histórias sem data (1884), ela aparece abaixo do índice do livro, com a correção dos termos errados e suas respectivas localizações.

Em Ressurreição (1872), há uma correção feita a lápis na palavra “despertenciosamente” (despretensiosamente), com a inscrição “re” acima da sílaba errada, mostrando intervenções dos leitores. Caso semelhante ao do exemplar de Ressurreição, 2ª ed., 1905, no qual se encontram várias correções, como à página 28, onde o nome da personagem Menezes apareceu no lugar do nome Félix. Em Memórias póstumas de Brás Cubas, 2ª ed.,1896, ao final do prólogo o sobrenome do escritor está grafado como “Assiz” (com “z” no fim) — fato curioso, já que em praticamente todas as suas obras publicadas o sobrenome aparece grafado como “Assis”, com “s”. 

O erro mais famoso, contudo, está na segunda edição de Poesias Completas. Um dos exemplares apresenta a palavra “cagára” onde deveria estar “cegara”. O escritor e seus editores perceberam rapidamente a troca da vogal e corrigiram à mão o erro em alguns livros, como se vê abaixo.

Adornos e artifícios

Os livreiros-editores recorriam a vários artifícios para tornar os livros mais atraentes, tais como capitulares, fios, vinhetas e fotografias. Fios e vinhetas podem ser vistos nas folhas de rosto de Desencantos (1861), A mão e a luva (1874) e Helena (1876)

Já em Americanas (1875), Várias histórias (1896) e Memorial de Aires (1908), há desenhos junto ao título do livro, no centro da página e nas margens.

Os livros de coletâneas exibem nas folhas de rosto o conteúdo da obra. Histórias da meia-noite (1873) realçam em um retângulo os títulos dos contos que compõem o volume. 

Poesias completas (1901) é o único livro publicado durante o período de vida de Machado de Assis a trazer uma foto sua. A presença do retrato na página anterior à folha de rosto dá a medida da importância e do prestígio do escritor à época da publicação do livro.